A MELHOR COMPANHIA - CAPÍTULO 05 - Plantas Embaixo do Aquário

Desperto com o primeiro raio de sol. O apartamento em que moramos foi escolhido a dedo, a suíte com janela panorâmica voltada para o leste, a fim de convidar o astro rei em seu maior espetáculo, o seu nascer. O quarto se ilumina suavemente dando um misto de frio com o leve despertar da luz que invade o ambiente enchendo de energia positiva, conseguia deixar até a preguiça em um fim de semana ficar mais gostosa. Ella desperta ao meu lado sorrindo e os cabelos ficam mais iluminados e matizados com essa luz. O que eu poderia dizer se não a convidar para irmos à praia?

- Meu bem, vamos a praia hoje.

Ella responde bocejando se enrolando mais no lençol.

- Mas ainda é muito cedo.

- Tomamos café e depois vamos.

- Mas eu já disse que preciso trabalhar na minha peça, não posso hoje, semana que vem iremos.

- Então está bem, semana que vem.

Queria muito ir à praia, mas ir sozinho seria muito chato. Então penso o que poderia fazer para aproveitar o fim de semana em casa. Filmes, Jogos, livros, música, o que fazer? Cuidar dos bichos? Sim cuidar deles, na verdade não tenho bichos, os bichos são dela, mas pelo menos isso vai ajudar a passar o tempo.

O gato, o cachorro, o aquário... Ah, claro, o aquário.

Tenho um betta splendens, natural do sudeste asiático, lindo, esplendoroso, marsala, uma cor vermelha única e marcante. Um peixe de briga do tamanho de um dedo. Rio quando penso nisso porque para humanos esse mini gigante é inofensivo, mas possui uma beleza singular. De hábito solitário é territorialista, irriga suas grandes nadadeiras, inflando-as, para impressionar os visitantes, mas vive sozinho no aquário onde faz sua casa de bolhas esperando uma provável companheira. Quando tem filhos se torna um pai devotado guardando os alevinos na casa de bolhas e se algum se desgarrar e afundar o cuidadoso pai o resgata para que não morra esmagado pela coluna de água pois nessa fase são muito frágeis.

Recolho o betta e o deixo em espera em um mini aquário, com a mesma água, enquanto cuido do aquário principal. Retiro a água parcialmente enquanto limpo o vidro, depois cuido dos equipamentos de filtragem e reponho o nível da água já com as condições físico-químicas adequadas e devolvo o betta vagarosamente, dentro de um saco plástico pequeno com primeira água, para evitar o choque térmico.

Nesse momento me vejo em devaneios e penso que nem as rochas mais antigas são eternas, logo reflito que tudo é perecível, mas aquilo que cuidamos dura um pouco mais, tudo precisa de atenção e cuidados. Então tive inveja do betta, tive inveja até das plantas embaixo do aquário. As plantas estão lá, embaixo do aquário e são tão importantes, dão vida, ajudam a oxigenar a água, consomem bactérias ruins e mantem as bactérias boas, estão lá anônimas enclausuradas, se não fosse o chão e as paredes de vidro elas se espalhariam como em um fundo de rio no sentindo da correnteza e a cada momento seriam banhadas em águas novas porque nem mesmo as plantas de rios se banham nas mesmas águas duas vezes, mas estavam confinadas no aquário assim como estou neste apartamento, nesta vida.

Essas plantas passam meses com a mesma água e por analogia estão lá no fundo, com aquela pressão que o próprio betta, por amor, não permite que seus filhos se arrisquem ali na parte mais baixa da coluna de água, e assim são as plantas, coadjuvantes e imersas na pressão do obscurantismo da relação do aquário.

Mas por uma razão que desconheço aceitei esse desafio e tento provocar um empate onde, eu e Ella, em nosso aquário possamos significar mais que plantas e adereços, mas isso é perigoso porque seria culpar e acusar um ao outro de descompasso e isso é uma armadilha facilmente confundível com amor. Se fosse tomado pelo impulso, pela minha solidão neste aquário... Não, atenção e amor não se barganham, devo me afastar deste abismo. Cobranças não podem ser justificadas em nome do amor. E confesso que ainda não me proponho a abordar assim minha solidão exatamente para não olhar para o abismo com medo que ele olhe para mim.

Em que me tornaria se ficasse olhando fixo para o meu abismo por muito tempo? Do que seria o aquário depois disso? As plantas não teriam mais função, nem eu mesmo. Acho que nunca me pensei neste lugar, como uma planta embaixo do aquário e sinceramente não quero pensar. Analisando bem nada de novo acontece há muito tempo, estou sempre pronto, disponível, mas não percebo reciprocidade e devo admitir que estou começando a ficar cansado disso.

Aquário pronto. O dia segue, faço o almoço, o café da tarde, o tempo vai se esvaindo, e decido ir para sacada ver o rio ao fundo me dando a perspectiva da plenitude com o sol se pondo... Da sacada, olhando para trás, me virei e entrei na suíte, meu lado da cama ocupado por objetos que não eram meus, não quis discutir... Olhei para o meu lado da cama e comecei a guardar diversos objetos que não eram meus, me deitei, dei boa noite, fechei os olhos e não dormi.

Pensei, o que sou? Um peixe? Uma planta embaixo do aquário?

E assim perdi a conta dos dias.

Shahriyar Tahan
Enviado por Shahriyar Tahan em 06/02/2024
Reeditado em 27/02/2024
Código do texto: T7993192
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