A FACE OCULTA DA GALÁXIA capítulo 14: Reencontro na Baía da Morte Violenta

 

CAPÍTULO 14

 

 

REENCONTRO NA BAÍA DA MORTE VIOLENTA

 

(No episódio anterior aconteceu uma série de quiproquós que culminam num barraco envolvendo Vésper, Licia e Beng. A má vontade do diretor da Cosmopol com a menina clandestina torna-se óbvia, porém Lícia, confiante no apoio de Vésper, não se intimidou. Agora veremos como Joana Pimentel, a lendária Vésper, toma a menina sob sua proteção, numa atitude inusitada...)

 

 

O aparelhinho deveria ter uns 15 milímetros de comprimento, era um colóide cibernético que certamente fora aplicado com anestesia local imediata — provavelmente anulamicina alcalóide de 3ª calcinação — e o colocamos numa solução neutra para estudos posteriores. Beng passou um rápido curativo no braço e ainda permaneceu incrédulo:

— Não posso crer que tenham conseguido! Como é possível que eu não reparei?

— Isso é só a metade da nossa encrenca, homem — falei, entediada. — Lá no posto, na loja de conveniência, deixei nossos colegas vigiando a mulher do medalhão.

— O quê? Do medalhão?

— O medalhão do Bengala.

— Ora, não me faça rir! Reconheceu uma pessoa por uma foto! Não deve ser a mesma...

— Olha aqui, meu querido chefe. Eu sou mercenária há vinte anos e já identifiquei outras pessoas por fotografia. Além disso será que eu tenho que lembrar a você que não estamos na Terra? O que é que uma japonesa está fazendo aqui?

— Ela não está sozinha. Há outra mulher com ela — disse Valentina, que acabara de entrar, seguida pelos outros dois.

— Por acaso a outra é uma garota ruiva e de rosto sem sal? — perguntei.

— Não, não, é preta.

— Ela tem um metro e sessenta de altura?

— Pouco menos que isso.

— É magra? Com 25 anos?

— Isso...

— Pode ser um disfarce! Aquela Lucy... esteve com o Valongo.

— Temos que resolver logo o que fazer — disse Tenessee.

Uma explosão ensurdeceu-nos e nos jogou todos ao chão. A nave sacudiu como um barco em meio à tempestade.

— Tarde demais, Tenessee — falou Rotterdam. — Eles já resolveram por nós.

— Caramba... — era Licia, que me ajudou a levantar.

Quando saímos constatamos que o reator solar fora explodido por uma mini-bomba, que podia ter sido distraidamente jogada. Os funcionários pareciam mais em pânico que dispostos a fazer qualquer coisa útil.

As claridades do longo dia sombriano (26 horas e 3 minutos) já começavam a pincelar o horizonte e eu, tresnoitada, começava a ter dificuldade em raciocinar com clareza. Meus cilindro-eixos estavam pifando. Rotterdam segredou-me que suspeitavam do gerente do posto, Tug, que nos recebera. Podia ser: segundo Valentina, a Mão Negra era quase onipresente.

Beng chamou Rotterdam e lá se foi em busca das duas suspeitas.

Tudo em vão. Elas tinham ido embora, sem que descobríssemos sequer qual era seu veículo. A incompetência da minha equipe já estava me incomodando, portanto eu já estava em ponto de bala quando Beng ordenou a separação do grupo em duas naves-salva-vidas retiradas do cabinamóvel. Beng pretendia seguir direto para o ponto onde estaria sendo guardado o artefato, houvesse o que houvesse, pois Tug já chamara a polícia local; depois o Gaspar nos resgataria.

— Vamos fazer o seguinte: eu vou com Valentina e a garota; Rotterdam e Tenessee, vocês seguem com Vésper.

— O que?

Enlacei Licia por trás, com vigor e decisão.

— Por Deus, Beng. Isso não vai acontecer. Ela vai comigo!

— Vésper, eu já dei a minha ordem.

— Beng, você não vai me separar da Lícia. Deixá-la com você e Valentina? Terão que me matar primeiro. Não aceito isso.

Lícia reforçou em tom decidido: – É isso mesmo, cara de bagre. Eu vou ficar com a Vésper.

Eu nunca pude entender como uma menina de dez anos podia ter a vontade tão forte, a ponto de me encorajar a lutar por ela. Mas Licia era assim mesmo.

— Quem manda aqui sou eu! — berrou Beng, que parecia estar quase convencido disso.

— Chefe — falei ironicamente — tão certo quanto o ano plutônico é de 26.000 anos terrestres, isso não inclui separar-me da Lícia. A sua atitude, permitindo a presença dessa menina em nossa missão, é questionável. Você se curvou ao Gaspar, mas bem sabe que podia ter-se comunicado com a base para mandar a garota de volta.

— Posso vetar a sua participação em qualquer missão da Cosmopol.

— Eu não tenho vínculo empregatício com a Cosmopol, você sabe disso. Eu sou uma mercenária. Porque não deixa Lícia em paz, Beng? Que coisa feia, um adulto querer se vingar de uma criança!

Seguiram-se alguns instantes de silêncio. Rotterdam e Tenessee, surpreendentemente, disseram ao Beng que ele deveria ceder, que aquilo não tinha a menor importância. O incidente poderia ter ficado por ali mesmo, mas o diabo se meteu. A viking falou:

— Ora vejam! Não tinha percebido essa sua faceta, Vésper. Então, você é chegada a uma pedofilia...

— O que?

Cuspi aquela exclamação e, já com a medida cheia, espalmei a mão direita e tentei acertar a cara da mulher. Ela porém pegou a minha mão no ar e jogou-me facilmente no chão.

— Quer tentar de novo, querida? — disse ela, sardonicamente.

A turma do deixa-disso se meteu e, apesar de tudo, levantei-me vitoriosa. Afastei-me com Lícia enganchada no meu braço, sem que ninguém mais questionasse minha decisão. Beng decidiu que Rotterdam nos acompanharia. A pequena cochichou-me ao ouvido:

— Não se preocupe, Vésper. Na próxima vez nós cuidamos dela juntas!

— Não, querida, nem pense nisso. Ela é perigosa.

— Mas, Vésper, não tenho medo dela!

— Nem eu. Mas nós não podemos ficar brigando, Lícia. Apesar de tudo, Valentina é nossa aliada. Nós estamos na mesma missão, lembra?

Quando terminamos de inflar nossos balões, que eram de inflação instantânea, e começamos a socar nossas coisas dentro deles, Tug e mais dois sapos vieram correndo, e o tal bufou:

— Vocês não podem ir embora! Eu já chamei a polícia e vocês terão de prestar depoimento!

— Ah, é? E vocês dirão que explodiram a nossa nave?

A acusação de Beng paralisou-os de estupor. O sapoide mais alto, e manco, reagiu:

— Está louco! Vai pagar pelo que disse!

— Pois aqui está a prova!

Beng manejou sua lanterna holográfica e fez aparecer uma sequência que mostrava a Lucy conversando com Tug diante do aviário, em meio a uma gritaria de galináceos de Sombrio. E o tradutor de leitura labial mostrou esta frase de Tug:

— A nave dele vai ser sabotada. Uma explosãozinha só, mas não poderão segui-los.

— Lembre-se, não fale nada sobre o artefato. Senão eles são capazes de te enforcar.

Beng desligou a lanterna. Há momentos em que se tem de parar para decidir o próximo passo, mas agentes da Cosmopol não se dão a esse luxo. Beng, Rotterdam e Tenessee sacaram suas armas e alvejaram os três sapos, aproveitando a hesitação dos mesmos. O caldo havia entornado. Entrei com Licia no meu veículo e, na confusão, foi Tenessee quem nos acompanhou, tomando os controles. Abraçando a mim, com o seu taco de beisebol a tiracolo, Licia parecia decidida a ir até o fim. Alçamos vôo debaixo de uma saraivada de balas e Tenessee, habitualmente pouco loquaz, resolveu falar em quantidade:

— Esse caso está muito confuso... muito encrencado... e não era para ser assim!

Ocupada em acionar os aparelhos confundidores que nos restavam, evitei falar e Tenessee continuou:

— A presença dessa menina, por exemplo, só está causando confusão. Ela não podia estar aqui.

— Tenessee, em todas as missões da Cosmopol as coisas podem correr mal e nós todos arriscamos nossas vidas. Eu perdi o meu marido há cinco anos, você sabe disso. Deixe a Licia em paz e vamos pegar o artefato!

— A polícia de Sombrio é extremamente brutal e já vem vindo para cá. Começo achar que o Caveira tem razão!

— Cale a boca, seu cabeça de bagre — disse a Licia, surpreendentemente.

— O que?

— Se é para falar que nós vamos morrer, é melhor calar a boca.

— Beng chamando! Sigam o meu farolete!

Aproximávamos das ilhas de areia ao longo das quais estava guardado o artefato, conforme as nossas informações. Foi quando vimos a embarcação, o navio em forma de aríete que migrava velozmente as águas escuras. Pus um binóculo e me espantei:

— Mas é Gaspar!

— Vovô! Vamos lá pousar!

Avisei Beng e pela segunda vez éramos resgatados pelo prof. Gaspar. A despeito das raivas e dos ressentimentos do diretor Beng, o homem era eficiente.

 

(A equipe está toda reunida outra vez, apesar dos percalços e da inimizade entre Gaspar e Beng. Entretanto a morte de três homens-sapos de Sombrio torna a missão cada vez mais urgente: é preciso pegar o artefato e pirar. Conseguirão escapar todos ilesos? E agora retorna à cena a mestre de cerimônias do circo que se exibira em nave espacial, na primeira parte da aventura.

Em breve:

RUFINA

CAPITULO 15 DE "A FACE OCULTA DA GALÁXIA")

 

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Miguel Carqueija
Enviado por Miguel Carqueija em 08/02/2024
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