Conversando com o Pai

Pai, quando sinto Tua presença,
minha alma parece querer rebelar-se
contra minha humanidade.
Tenho vontade de me distanciar
da vida humana, indo em tua direção.
Mas hoje já sei da necessidade
e do valor da vida efêmera.
O despertar dessa verdade
me impede de cometer possível erro.
Curvo-me, então, à conclusão
de que a felicidade do corpo por vezes
infelicita o espírito,
e que as virtudes da alma
são distintas dos prazeres do corpo.
Nesses momentos a dor parece explodir,
como que vingança à minha divagação.
Por sentir a estocada do seu punhal,
então, rebelo-me.
Enfureço-me como que fera alvejada.
E em minha ira, o que era proximidade
transforma-se em distância.
Vejo, impotente,
meu vigoroso jardim íntimo
transmutar-se em árido deserto.
Concluo, assim,
que a força de meu velho ódio
mutila a energia de todo o meu amor.
Mas confesso preferir o amor,
embora, por desejá-lo,
sinta a vulnerabilidade indesejada.
E é quando me sinto fragilizado
que busco meu ódio
para me guardar, como escudo.
Transformo, assim,
a candura de meu sorriso
em presas agressivas.
Converto minhas mãos consoladoras
em poderosas garras mortais
para ,então, mortificar-me ao perceber
que a estupidez da ira impõe o respeito
que a grandeza do amor não consegue impor.
O homem parece ser escravo do medo,
não está pronto para ser esposo da liberdade.
Divago pelos conceitos de derrotas e vitórias,
vejo sua efemeridade ante a eternidade.
Mas sou obrigado
a reconhecer toda minha limitação 
e o jugo de minha alma às teias
da vida humana.
Amarguro-me,
sinto perder o bem precioso da felicidade.
Tento me resignar
ante a força da impossibilidade.
Tenho vontade de reagir,
mas algo me imobiliza.
Vítima de minha falta de clareza
dos sentimentos divinos,
vejo-me desarmonizado em razão e fé.
Reconheço minha própria estupidez,
mas isto não diminui minha impotência.
E, então, digo a mim mesmo:
Sou luz ainda tingida por sombras,
velhas sombras que desejo ver um dia
convertidas em luzes.
E concluo, ainda mais uma vez:
Jovem demais para morrer,
velho demais para viver.
Gilberto Brandão Marcon
Enviado por Gilberto Brandão Marcon em 20/04/2009
Reeditado em 20/04/2009
Código do texto: T1548906
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