Uma Janela para guardar meus olhos!

 


Senhor, diante dos meus incontáveis questionamentos
Diante das minhas inúmeras queixas
Diante das mais variadas insatifações
Diante de tudo que senti aqui nesse Japão
Oro-te a oração de mim mesma

Foi aqui que testei todas as minhas habilidades,
desde fazer uma porta
de um automóvel até tentar ser a melhor mãe do mundo
foi aqui que quase desisti de viver,
Foi pai, nesse Japão
que aprendi a ser sensível,
foi aqui, mesmo sem usar as palavras
que aprendi a enxergar o mundo
Foi aqui nessa terra distante
que o senhor me educou
Foi aqui que fiquei rica interiormente

Já estava desitindo de mim mesma
Quando o senhor me deu olhos encantados
abriu minhas janelas, pude ver flores
no olhar daquele vizinho que nunca me disse um bom dia.
Foi nessa mesma janela que a solidão deixou
de ser vilã e se tornou parceira
e desde então sou uma criança
Será que hoje eu sei o essencial da vida?

Já não sei fazer melindres
Senhor tenho quase 50 anos
Quero estar ao lado de gente humana
Agradeço-lhe todos os dias os meus olhos encantados
os meus filhos, o meus sentires, mas agora
tenho pressa, preciso meu pai por alguns anos
viver tudo aquilo que me pertence
caminhar, trabalhar e viver ao lado de gente de verdade
Pois aqui, o senhor sabe, não sei se por ironia
mas ser humano em japonês é Ninguém
E Ninguém para eles, não sou!

Já não quero mais o rótulo de estrangeira
nem ser violentada diariamente
Por esse preconceito desenfreado, que me mata,
 me destrói e me faz me sentir o real ninguém.
Mas isso tudo eu enfrento, porque o senhor meu deu
a coragem, uma família linda
 e a capacidade de reinventar
a vida numa poesia.

Mas ainda não senti um cheiro bom de terra molhada
nessa terra de areia, e que grão-de-areia pontudo
fui encontrar nessas areias!
Por isso fecho-me nessa concha, finjo ser ostra
e não ouço o canto de uma sereia.
Essa terra tem beleza, não são poucas, eu sei
Mas nunca percebi por aqui
qualquer vestígio de poesia
será que é porque já me tornei uma ostra?


Pai, já contei meus anos,tenho pouco tempo e muita pressa
entenda minhas urgências e coloque-me em outro caminho
para que eu possa com as minhas essências em mãos
achar que viver vale a pena...
E por favor meu Deus, que o diálogo aqui
em casa se faça, mas sempre longe do córtex, se possível
dentro da sala néo-córtex, não precisa ser Vip, apenas ter
uma luz poética e um ouvido educado.

Agradeço-lhe por essa oportunidade de estar na sua escola
aprendendo a Ser. Sei que estou longe da perfeição,
Ainda não produzi uma pérola!

Se nada disso está para mim, entendenderei...
Mas não agora, antes preciso chorar um tantinho
Depois sim,
Farei dessa terra meu céu
cada um tem um céu diferente
porque o que eu quero no céu,
não é ser diferente...
O que eu quero agora é uma janela para guardar meus olhos

e tempo para curar essas e outras feridas.



 





Sonia Lupion Ortega Wada
Enviado por Sonia Lupion Ortega Wada em 18/12/2011
Reeditado em 18/12/2011
Código do texto: T3394637
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