Entrega

Oh Deus, clamo por Ti

Pois o meu ser é hoje feito de cinzas.

Mas Tu bendizes-me com Tua palavra

Para que eu possa incendiar o coração do homem.

Poderei dar sem nada lhes tirar?

Será possível fortalecer seus corpos

Sem que se lhes enfraqueça a alma?

Suas almas, prisioneiras, desejam libertar-se,

pois têm suas casas doentes,

Pestilentas, viciadas e imundas.

Já não suportam contar com o concurso do sono,

Nem sempre reparador, para alçarem voo

Às instâncias que julgam mais dignas.

Nem sempre o são.

Encontram-se tão ligadas a seus corpos materiais

Que, cegas pelo vício,

Já não podem enxergar a luz.

A razão do homem não busca o saber,

Pois não vê virtude, justiça ou piedade.

Estão todos cegos, surdos e loucos,

E o medo findou por calar suas vozes.

Já não clamam a Vós a remissão dos pecados.

Buscam-Vos seu egoísmo e mesquinhez,

E tudo querem, exceto ofertar.

Se os incendeio com a Tua verdade,

Por certo irão me matar.

E o que significa minha vida, senão uma esmola,

Quando riqueza é o que quero lhes dar?

Como poderei construir-lhes caminhos ou pontes,

Se no vazio eles têm que saltar?

Como imputar-lhes a fé necessária para este salto,

E permitirem-se cair em teu mar?

Como aclarar-lhes de que Tu não És uma meta,

Mas o puro caminhar? Como mostrar-lhes

Que o Teu paraíso não está além das estrelas,

Mas na vida, e em tudo o que há?

Entrego-te, Senhor, todo o meu espírito,

Para que ele seja uno com a Tua virtude.

Que eu seja todo amor, que entrega,

E que cresce a cada segundo.

Que eu possa iluminar o futuro,

E perdoar o passado,

Para que no presente, eu seja mais puro!