ORAÇÃO EM HOMENAGEM A NEIDA IASBEK FELÍCIO POR SÉRGIO ROXO DA FONSECA

ECCE EXIIT QUI SEMINAT SEMINARE – Eis que saiu o semeador a semear, registrou o Padre Antônio Vieira no Sermão da Sexagésima.

“Diz Cristo que saiu o pregador evangélico a semear a palavra divina. (...) Não só faz menção do semear, mas também faz também de sair. “Exiit” porque no dia da messe, hão nos de medir a semeadura e hão de nos contar os passos”.

Portanto, o semeador será premiado tanto pelas sementes lançadas ao solo como também pelos passos dados em sua semeadura.

Há uns que saem a semear. Mas há outros que semeiam sem sair.

A medir a sua semeadura, hoje o senado de Ribeirão Preto outorga a Neida Iasbek Felício o título de sua naturalidade. Mas só a ela? Se os passos dados na sua caminhada estava ao lado de José Roberto Felício, seu esposo e companheiro, é de justiça reconhecer que o título alcance um e outro, homenageando os passos que são dados por Neida mas também as sementes lançadas por José Roberto. O título comemora o trabalho dos dois semeadores.

A semeadura é da índole de sua gente.

Se for verdade que o futuro e o passado são afluentes do presente, releve-se que tanto o passado como o futuro estão aqui na seara de Neida e de José Roberto. Tudo é presente.

Vamos acompanhar os passos da semeadura no passado.

Os latinos supunham que o sol girava ao redor da terra. “Oriri” significava nascer, daí oriente foi o nome que arranjaram para batizar as terras e os povos existentes para os lados do sol nascendo. Ao contrário, “occidere” significava morrer, donde extraíram a palavra “ocidente”, onde o sol agoniza. “Homo occidere” tornou-se homicídio e “sui occidere” converteu-se em suicídio.

Flui do oriente uma das principais portas do nosso passado, que nasce todo dia e não falece com o declínio do sol. Estamos nós sob essas luzes que insistem em não se apagar.

Em 711, os antepassados de Neida e José Roberto, ou melhor dizendo, os nossos antepassados, espalharam-se por todo o norte da África, encontrando uma passagem para a Europa no local batizado com o nome do seu príncipe, Tárique; a passagem era rochosa, daí a expressão “jamal al Tarik”, a rocha de Tãrique, que se converteu em Gibraltar. Dali ocuparam a península ibérica durante oito séculos. XXXXXXXX

Conviveram com os cristãos e os judeus, considerados “os homens do livro”, a Bíblia.

Dada a dificuldade de sua língua, alteraram o nome das cidades e regiões. O sul da Espanha, terra dos vândalos, passou a se chamar “al vandalus”, que se converteu hoje em Andaluzia. O nome da cidade de César Augusto foi transformado em Zaragoza. O porto grego de Ulisses, então Ulissiponenses, foi encurtado para Liponensis, Lisbonense, Lisbona para finalmente fixar-se em Lisboa.

Substituíram os algarismos romanos pelos números arábicos e introduziram o mais significativo de todos os algarismos, o zero, cujo nome vem de “zéfiro”, brisa suave. O que seria do computador se tivesse que operar com os algarismos romanos? Sem o zero? E o sistema decimal? Outra seria a nossa matemática. Outra seria a realidade.

Um dos daqueles filósofos fez uma afirmação revolucionária: se Deus existe eu posso compreendê-lo pela minha razão. Chamava-se Ibn Sina. Criou a primeira escola de saúde. A escola de Ibn Sina passou a chamar-se Medicina, nome que leva até hoje o do seu instituidor.

Em Córdoba, surgiram dois pensadores que mudaram o mundo. Averrois, o árabe, tornou-se o mais extraordinário comentador de Aristóteles de todos os tempos. Maimônides, o judeu, também aristotélico, figura como um dos mais notáveis profetas. Afirma-se que Santo Alberto Magno aconselhou São Tomás de Aquino a ler os sábios árabes para desenvolver o principal projeto filosófico cristão, a Suma Teológica.

Como se percebe, os antepassados da Neida e de José Roberto, os nossos antepassados, saíram para semear.

A integração dos ocidentais e orientais foi consumada em Granada, no Palácio Vermelho, ou seja, no Alhambra. Eram os anos de 1492. Decretaram o fim da Idade Média. Fizeram surgir Portugal e Espanha. Investigaram toda a África. Descobriram o Brasil, a América, o Oceano Pacífico, o Índico, deram o mundo ao mundo.

Esse é o passado. E o presente de Neida e de José Roberto? Sim. E o nosso também. Temos as mesmas raízes. Vamos ao presente.

Ao lado de Neida, há menos de ano, visitamos a planície arábica, oportunidade na qual colhemos dela as sementes do seu saber.

Os templos e suas igrejas visitadas não são ornados com imagens e quadros. Neida ensinou-nos que assim é porque na tradição oriental somente Deus pode revelar o rosto de uma pessoa. Nunca os homens. Os ornamentos dos árabes são portanto os arabescos. Há uma exceção. Com a queda de Constantinopla, a enorme igreja de Santa Sofia foi convertida na Mesquita Azul. Nela há um enorme quadro da Virgem Maria e de seu filho Jesus, que até hoje não foram dali retirados. Dizem os orientais que mantiveram o antigo quadro pela extraordinária veneração que devotam a Maria e a seu filho Jesus.

Nas galerias de arte encontram-se muitos quadros, com a imagem de grandes muros e muralhas. Qual a sua razão? Neida, a nossa professora, lecionou. Muros e muralhas existem por toda parte. Entre os homens e entre as casas. Nos quadros, os muros e as muralhas árabes sempre exibem uma porta. Se há muralhas, há portas para acolher o peregrino. Basta tocar a aldraba que a porta será aberta. XXXXXXX

E os tapetes? Uns tecidos por computadores são de pequeno valor, muito embora não contenham nenhum erro. Ao contrário daqueles criados pela mão humana, que são mais valiosos, nos quais são percebidos vários erros. Se alguém produz um tapete sem erro, tem o dever de desmanchar a sua obra e trocar fios corretos por incorretos. Ninguém pode tecer um tapete perfeito. O erro é da contingência humana. A perfeição somente pode emanar de Deus. Assim lecionou Neida.

Essas sementes trazem a mensagem contida na frase gravada pelo Papa João XXIII ao visitar o Monte Nebo, de onde Moisés, antes de morrer, teria vislumbrado o Rio Jordão e a cidade de Jericó. Eis a frase: “Unus Deus, pater omnium, super omnes”, ou seja, um só Deus, pai de todos, acima de tudo. Aqui está a base das três religiões monoteístas que unem os judeus, os cristãos e os muçulmanos. Merece sempre ser repetida: “um só Deus, pai de todos e acima de tudo”.

“Ecce exiit qui seminat seminare”.

Uns saem a semear. Outro semeiam sem sair. Raríssimos são aqueles que tanto saem a semear como semeiam sem sair.

Um exemplo dessa universalidade humana está refletido nos passos dados por Neida e de José Roberto. Sairam muito a semear como também semearam sem sair.

Documenta a semeadura, a escola que recebeu o nome de José Roberto em cujas classes até hoje Neida permanece lançando suas sementes.

Por isso mesmo que o povo da tão brava e leal cidade de São Sebastião de Ribeirão Preto, pelos seus representantes reunidos no senado municipal, outorgaram a nossa naturalidade a Neida Felício – que se estende a José Roberto – pessoas que souberam olhar para o oriente como para o ocidente com a visão universal da humanidade, em busca de espalhar a semente divina, sem se preocupar com o tamanho da seara e nem muito menos com a qualidade da safra.

Este é o seu presente.

E o futuro?

Perguntamos a Neida como aqueles povos agradecem dizendo “obrigado”. Ensinou-nos: “suckram” que tem raiz no vocábulo sânscrito que originou a palavra “açúcar”. Sukram é o mesmo que dizer obrigado, mas com açúcar.

Obrigado Câmara Municipal de Ribeirão Preto pela outorga do título de cidadã ribeirãopretana para Neida Iasbeck Felício – que também passa a compor a história de José Roberto Felício.

Prevejo o futuro deitando suas águas no presente. Neida e José Roberto sempre juntos e perto de nós. Com muito açúcar: Neida e José Roberto, sukram. Obrigado. Muito obrigado.

OBS: Com a devida autorização do autor, Dr. Sérgio Roxo da Fonseca, trago para minha página do Recanto a homenagem por ele prestada à prima Neida Iasbek Felício, quando da entrega do título de Cidadã Ribeirãopretana à mesma.