Nossos outros Filhos...

Ninguém ousa discordar do amor desvelado que pai e mãe dedicam a seus pequenos tesouros. Salvo raras e infelicíssimas exceções, o sentimento que une os pais aos filhos é daqueles que o homem sequer tenta entender, limitando-se a sabê-lo transcendente e capaz dos mais intensos sacrifícios. Não será senão à conta de excepcional deformação o abandono dessa magna missão. Existem os que maltratam, torturam e até mesmo matam seus filhos; jamais estarão em verbete outro que não o das “aberrações” no dicionário do homem. Não é menos certo, todavia, que, tanto quanto os dragões de Komodo, são seres que compõem o todo da natureza no concerto da Vida.

O amor incondicional dos pais por seus filhos vezes há que levam-nos até mesmo à entrega dos pupilos em braços outros, assegurando-lhes meios indisponíveis para o mínimo indispensável. Outrem lançam os rebentos em lixos, monturos, matagais, rios, lagos, ainda mais acentuando a gigantesca diferença entre condutas aparentemente semelhantes. É da tradição bíblica que Salomão só pôde bem decidir pela mãe verdadeira ao vê-la em esgares de dor e sacrifício. No imenso reticulado de causas, motivos, escolhas e medos, crianças são lançadas à Vida, nem sempre à sombra de um lar edificado para recebê-la.

De fato, no bailado da dualidade que nos caracteriza a (in)capacidade de compreender o Universo, vemos um número assustador de crianças abandonadas. Pululam nos cruzamentos, semáforos, sarjetas, perambulando na via pública de uma República que não os contempla dentre seus cidadãos. No mesmo compasso em que todos reconhecem o divino caráter do amor que devemos dedicar a nossos filhos, quantos são os que ousam estender a jamais estabelecida fronteira de seu lar para acolher ao menos uma dessas preciosas almas em sua vida? Quantos? Eu insisto: quantos?

Poucos. Muito poucos. Instituições heróicas comandadas por seres abençoados reúnem dezenas, ou mesmo centenas, de pequenas lágrimas de dor em seus muros. Do lado de fora, milhares de irmãozinhos definham no dia-a-dia deserdados do amor que os lares do mundo teimam em lhes negar.

Não tem qualquer importância de quem seja a responsabilidade. Quem poderia ter cruzado os braços morreu pregado em uma cruz. Já pensou se Ele tivesse dado de ombros?

Marco Aurélio Leite da Silva
Enviado por Marco Aurélio Leite da Silva em 24/05/2008
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