O ensinamento contido em nossas mãos

O prodigioso mecanismo da mão humana - que tem permitido ao homem, no decorrer dos milênios, realizar não só trabalhos e construções que atendam à segurança, ao conforto, à vaidade do ser humano, mas obras de arte que têm ao próprio homem maravilhado - encontra a sua perfeição em seus dedos de tamanhos diferentes e com um dedo - o polegar - em oposição a todos os demais. Jamais ela nos proporcionaria tantos movimentos, tanta segurança para executar ações que exijam tanto força quanto extrema delicadeza se os dedos fossem todos iguais e apontados para uma mesma direção.
Para o perfeito funcionamento da mão humana nenhum dedo é considerado mais importante do que os demais. Todos são igualmente importantes e isso é facilmente constatável quando um deles é ferido, diminuído ou mesmo eliminado: ele faz falta, não importando se o maior ou o menor. É a união de todos e a importância que todos merecem que permite à mão humana ser a ferramenta por excelência do ser humano.
Analogamente, a sociedade encontraria a sua perfeição se a si mesma se permitisse a união de todos os seus membros, tratando os desiguais não como inferiores, mas como os que trariam valiosas colaborações para todos os âmbitos do conhecimento, da cultura, das artes etc.
Claro que, diversamente, os preconceituosos haverão de argumentar que a eficiência da mão humana está em cada dedo ocupar o seu devido lugar. Eu responderia que, embora cada dedo ocupe, durante toda a nossa existência, o mesmo e único lugar - essas posições não são privilegiadas umas diante das outras: todas têm a mesma importância - e todos executam o mesmo trabalho. Até porque, mesmo que se quisesse, seria impossível que só usássemos o polegar o indicador e o médio para trabalhar com metais preciosos e executar requintada ourivesaria, e os dedos anular e mínimo para recolher o lixo. E, deste modo, a mim parece, a nossa própria mão mostra-nos que nenhum trabalho pode ser considerado inferior, pois, ou empregamos a mão inteira e o executamos satisfatoriamente, ou, simplesmente, ele ficará por fazer - trazendo-nos prejuízos de ordens várias.
Nas ciências também verificamos o pensamento que associa perfeição à não diversidade. Mas não é nessa direção que sempre apontou a multimilenar Natureza. A Natureza é megadiversa (ou seja, é múltipla em sua biodiversidade) - por excelência. Para quem não esteja familiarizado com o assunto, darei aqui um exemplo bem próximo de todos nós: o Brasil é internacionalmente reconhecido como país megadiverso. Em verdade, ele é o primeiro dos dezessete países assim classificados, porquanto 10 a 20% de toda a biodiversidade do mundo se encontra e terras brasileiras. A flora e a fauna da biota no Brasil está hoje estimada entre 140.000 e 190.000 espécies.
O bioma Mata Atlântica é particularmente diverso. É ele o mais importante dos 6 biomas brasileiros e um dos hotspots mais valiosos da Terra (são chamados hotspots áreas que abrigam muitas espécies que não são encontradas em nenhum outro lugar e que estão hoje ameaçadas de extinção).
Também geologicamento o Brasil é extremamente diverso.
Além disso, o Brasil contém igualmente uma diversidade sócio-cultural muito rica, com 200 povos indígenas e um grande número de comunidades locais como quilombolas, caiçaras, seringueiros, entre outros. Estes povos - considerados por muitos como primitivos, no sentido de rudimentar, pois a opinião é que não se desenvolveram ou aperfeiçoaram - na verdade, guardam, preservam um tesouro imensurável de conhecimento tradicional relativo à conservação e uso sustentável da biodiversidade.
Portanto, toda a Natureza aponta para uma convivência pacífica entre as várias espécies dos reinos animal, vegetal e mineral.
Contudo, toda a nossa racionalidade nos levou a desenvolver, por exemplo, uma economia que, hoje, tem em sua conservação a ameaça à continuidade de nossa existência. E é por ter intervindo tentando “aperfeiçoá-la” que o homem levou várias espécies à extinção (muitas vezes, crendo que eram apenas um estorvo, uma peste, uma maldição...), causando desequilíbrios que hoje tornam muito menos hospitaleiro o mundo que tem servido de abrigo à espécie humana.
Justiça tem a ver, sim, com igualdade. Mas não com a tentativa de igualar a humanidade exterminando os desiguais. Embora o Direito possa ser injusto e/ou amoral (ou mesmo imoral), entendemos que ele tem de ser moral e justo - para continuar existindo.
Acreditamos que o Direito não possa ser injusto nem amoral ou imoral, porquanto a injustiça e a amoralidade/imoralidade não trazem paz social, não permitem ao homem alcançar o bem da vida - que são os objetivos últimos do Direito. Quando a injustiça campeia, quando os atos aéticos ou antiéticos prosperam, há ensejo para o desenvolvimento da insatisfação social, pois muitos se ressentem ao serem vítimas de tais atos, de tais normas.