Igor, o princípio da liberdade, o consumo de drogas e Stuart Mill

OBS. Já que como bom perpetrador do conhecimento tenho a obrigação intelectual de saber do que falo, após escrever dois textos, dos quais o segundo é uma resposta ao Igor Roosevelt por um texto seu, que fui conhecer depois de ter escrito meu primeiro texto e receber um agradável comentário de sua parte, percebi que meus conhecimentos eram parcos, e ainda são, sobre a obra de Stuart Mill, mas o pouco que fui capaz de apreender me bastaram para que eu conseguisse elaborar uma resposta, a segunda, ao comentário, o segundo, de Igor ao meu texto, o segundo.

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Ordem dos textos

Primeiro que escrevi com respectivo comentário do Igor - http://www.recantodasletras.com.br/visualizar.php?idt=1101192

O texto do Igor que ele recomenda no comentário do meu primeiro texto - http://www.recantodasletras.com.br/artigos/1066142

O segundo texto que é uma resposta ao texto do Igor e seu respectivo comentário - http://www.recantodasletras.com.br/visualizar.php?idt=1102692

Aqui abaixo está o terceiro texto em resposta ao comentário de Igor ao meu segundo texto

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Começo meu segundo texto resposta a Igor Roosewelt citando suas próprias palavras em comentário ao meu texto. “É em vão que se obejeta que a proibição é o melhor para todos, mesmo que isto limitasse a liberdade individual, por ser uma arbitrariedade e ninguém sabe o que é melhor para um indivíduo adulto e dono de sim mesmo o que é melhor para ele senão ele mesmo.”

E para não parecer parcial é em segundo lugar que eu cito as palavras de Stuart Mill sobre o seu princípio da liberdade. “A liberdade, como princípio, não se aplica a qualquer estado de coisas anterior ao tempo em que os homens tornaram se capazes de progredir por meio da discussão livre e igual.” E mais. “O avanço da sociedade é produzido na realidade pelas idéias, pelo exemplo e pela envergadura moral e intelectual de indivíduos superiores. Esses indivíduos superiores florescem principalmente em condições de liberdade, de modo que a liberdade é a condição necessária para o progresso.”

Ao escrever seu artigo Igor defendia pelo princípio da liberdade de Mill o direito das minorias em relação às maiorias. E disse incisivamente que ninguém sabe o que é melhor para um indivíduo que ele mesmo. Mas parece que o próprio Mill não concordava inteiramente com esse modo de pensar, e se o seu princípio de liberdade se baseava na noção de felicidade, em nenhum momento ele deixa de ser utilitarista. Creio que a teoria de Mill é um tanto quanto ingênua, mas nem por isso devemos desprezar as idéias se citadas por nossos contemporâneos em artigos que citam diretamente diretrizes que devem ser aplicadas à nossa sociedade, ou que se não aplicadas diretamente serviriam para um pensamento sobre a realidade efetiva.

É de boa monta ressaltar que a idéia de Mill se baseava numa liberdade que exaltava as virtudes e que os homens mais intelectuais e virtuosos deveriam, por isso mesmo, influenciar os outros. É latente na obra do pensador o fato que se discute que os prazeres de uma liberdade não podem ser mais quantitativos que qualitativos. Essa erigida moral que ele supõe vai dar bases para seu princípio de liberdade, já que ao contrário das pessoas que são plenamente capazes de uma ampla discussão pública ele, como bom utilitarista, defende a intervenção.

Se podemos fazer um paralelo com os dias de hoje ele nunca defenderia princípio de liberdade algum para pessoas que agem sobre a ilegalidade moral de seus atos. Logicamente que podemos considerar que só achamos os atos de consumo de drogas ilegais imorais, pois o ato em si é ilegal. A prática difundida na sociedade diz tudo. Nunca haveria debates nem defensores do consumo de drogas ilegais se essas mesmas já não tivessem em circulação e sendo consumidas. O que dá uma boa dose de razão a vermos a questão da defesa dessa prática com outros olhos, pois se aqueles que já consomem são a favor da legalização, são desde já pessoas que alijadas de um direito querem ampliar seus benefícios com base nos prazeres menores subjetivos.

O princípio de liberdade traz uma responsabilidade intelecto-moral de grande peso sobre os cidadãos. Esses não querem se desenvolver intelectualmente, pelo menos a gigantesca maioria, mas simplesmente viver do jeito que dá, com mais conforto possível e se isso não é a forma mais baixa de viver, só perde para a miséria difundida por simples imposição do misere a ampla maioria da população. Basear a defesa de princípios contra os próprios princípios me parece algo tortuoso de defender, e se o que eu defendo estiver errado, analisemos por conseguinte.

Imaginemos que o principio de liberdade valha para defender o consumo de drogas, baseado no princípio de que cada pessoa sabe o que é melhor para si mesma. Temos alguns pontos interessantes de relevância social para discutir.

Ao deixar cada pessoa consumir drogas deliberadamente e partindo do princípio da liberdade de Mill que dá um peso moral às ações das pessoas, essas pessoas que consomem as drogas poderiam ser aquelas que influenciam as outras, ou seriam as pessoas que serão influenciadas pelas mais intelectualizadas? Se são aquelas que influenciam as demais, seria válido para uma pessoa consumir drogas e dizer com isso “podem consumir, pois esse ato é um ato moral de extrema valia e que deve ser seguido por todos”. Se são aquelas que são influenciadas devemos nos perguntar se as que influenciam são também aquelas que defendem o consumo generalizado de drogas, pois se forem, caem no primeiro caso, se não, não são consumidoras de drogas. O que nos leva a crer que em um caso ou outro o consumo de drogas não seria um ato moral pelo princípio de Mill para influência das demais.

Ao praticar o ato deliberado de consumo de drogas o cidadão estará moralmente pronto para defender o ato perante jovens e crianças? Segundo Mill as crianças e adolescentes que ainda não são maiores de idade ainda são incapazes de serem independentes e merecem coação, até que se desenvolvam intelectualmente. Mas como que pessoas que consomem drogas seriam aquelas que diriam aos seus filhos que isso não se deve fazer, porque elas ainda não têm capacidade intelectual para decidir se querem ou não? Caso que se o consumo dessas drogas fosse benéfico não haveria porque proibi-las àquelas pessoas que não são intelectualmente desenvolvidas. Ou seria o consumo de drogas um ato que exige alto grau de intelectualidade? Pela experiência que temos no Brasil é exatamente essa a pretensão elitista, que foi a classe que começou a consumir as drogas em primeiro lugar, dando depois largas aberturas para a disseminação às massas. O glamour era tanto que todos os artistas consumiam drogas, agora o que temos atualmente? Uma onda de “limpeza” e nenhum artista é visto em público ou divulgado nem sequer fumando um cigarro. Para um artista de renome ser encontrado bêbado, fumando ou consumindo drogas ilegais é a pior imagem que ele pode ter. E por quê? Pois eles são “aquelas pessoas intelectuais” de hoje. Ao considerar somente o fato de ser famoso como ser influente, há uma estreita ligação moral entre um fato e outro. Que na verdade nada têm de real, mas é subproduto de nossa sociedade imagética.

O fato de que as substâncias ilegais serem legalizadas causa um outro problema gravíssimo, elas poderão ser compradas e consumidas na quantidade que for. Se hoje há uma campanha massiva contra o consumo excessivo de álcool e contra o fumo, que são drogas que causam menor tipo de dependência que as outras, o que aconteceria se pudéssemos comprar em bares trouxinhas de cocaína, bolinhas de esctasy e papelotes de LCD? Sim, porque se vamos brigar pela legalização das drogas que façamos direito, só legalizar a maconha que é vista como droga menor é brincadeira de criança e em nenhum momento vai a favor da retórica de que cada pessoa sabe o que é melhor para si mesma. Se cada um sabe o que é melhor para si mesmo o correto seria liberar o consumo e a venda de todas as drogas. Coisa que eu acredito, em minha humilde e singela opinião, que seria catastrófica.

Até aqui apresentei alguns argumentos contra e outros a favor da legitimação do princípio de liberdade como condutor da política pública em relação a legalização do consumo de drogas, partindo do pré-suposto de que cada um sabe o que é melhor para si. E aparentemente as conclusões se forçam por si mesmas, ao adotar o princípio de liberdade de Mill com mínimo respaldo de sua própria obra acabamos vendo que essa atitude primeiramente sugerida acaba apenas tendo respaldo em uma parte ínfima do pensamento dele. Se devemos aplicá-lo ao nosso cotidiano devemos primeiramente saber de todas as bases disponíveis, ainda mais de um mesmo pensador.