Não quero mais.

Hoje, enterrei meus olhos num livro

Para desistir de olhar pela janela do ônibus

Não quero mais olhar para a rua

Num bairro nobre onde seres humanos maltrapilhos

Andam sem rumo, revirando o lixo

Talvez em busca dos restos mais valorosos

Estou cada vez mais próxima

Do santuário que faz de mim um componente

De um grupo restrito e minúsculo

De uma nação onde o ensino não vai muito além

Há dias em que me vejo no espelho

Passo cajal nos olhos

Mas vejo a menina da semana passada

Que com um saco de estopa nas mãos

Sorrindo, perguntou

"Tia, tem um real para eu comprar uma maquiagem?"

Estávamos frente a uma loja de bijouterias

Não daria o dinheiro

Mas outros dariam

Ela entrou e alimentou a vaidade adolescente

Que teima em aflorar escondida atrás da sucata recolhida

Chego ao santuário

Não quero mais olhar para a rua

Mas Salgado e Capa sempre estão lá...

...trazendo a rua até mim.

Caroline Garcia Cruz
Enviado por Caroline Garcia Cruz em 23/09/2008
Reeditado em 07/10/2008
Código do texto: T1193618
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