Caiu

No quintal

Em cima da 'arvore, um espinnho no joelho e deliberadamente me jogo. Por um milésimo de segundo imaginei que podia voar e que meu voo era tao tosco como o de um passaro mais fraco da ninhada que esta predestinado o morrer.

Mas por um instante tambem pensei que era possivel voar. E isso me deu impulso. E nisso joguei.

Mas a queda era bruscamente feroz para uma bolinha de pena sem forca.

Caiu.

Cai.

E eu vi no quintal um pedacinho de vida expirando por causa minha, sempre intervendo na natureza. E eu sacudi a poeira e levantei.

Que deixasse o passarinho!

Se ele nao foi forte o suficiente para sobreviver as primeiras experiencias da vida, nao 'era eu quem ira salva-lo. Mas deliberadamente joguei. E nas maos iam mais que um filhote de ave lutando contra a gravidade. Iam meus anseios de consertar e uma antitese pessoal que tambem precisava ser consertada, mas disso sabia apenas inconscientemente. Tao inocente. Nove anos.

Desci da arvore e catei o passarinho da terra.

O gato que se espreguicava na porta da cozinha me olhou torto.

Ele sabia que eu nao ia deixar o jantar "a mesa.

O funeral teve direito a vela, cruz e oito polegadas debaixo da terra - oito por medida de seguranca, pois o gato ja rosnava, se esfregando nas minhas pernas.

Enterrei o voo frustado do passaro e meu espirito de generosidade juntos na mesma caixinha de sabonete.

O Sol dizia meio dia; ouvia as outras criancas voltando da escola para casa. Pelos furos do muro do quintal via-se engracadas sombras da rua.

Se fosse menino ia querer brincar de guerra e minar todo o quintal. Explodir tudo. Mas era menina e pensava em pintar os muros de cores da rua e sombra de pessoas falando alto por ai. Queria aprender violino e frances. Mas nao tinha pincel ou tinta, violino ou professor. Por isso salvava formigas e minhocas, e - que evento! - de vez em quando passarinhos.

Nao mais questionava a vida. Era diferente e pronto! Nao queria mais aquele tom de voz vindo de Dona P'ascoa, portanto nao entrava no merito da questao. E como podia escolher, preferia passar as manhas inteiras no quintal a passar dentro da umidadade densa da casa.

O quintal era fresco, era quase `la fora`. Podia-se plantar sementes de girassol e ve-las crescer, mover e morrer, como a maioria das coisas que a natureza faz.

Laís Mussarra
Enviado por Laís Mussarra em 11/10/2008
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