O texto a seguir, foi publicado, originalmente, no Jornal de Debates, em resposta a uma pergunta: O seqüestro virou novela?

Relacionamento amoroso # de jogos de poder e posse

Não diria que o seqüestro tenha se transformado em novela, mas em uma forma de alguém carente de atenção - Lindemberg Fernandes Alves, o seqüestrador - ter toda a atenção de um bairro, de uma cidade, de um país. Centenas de milhares de pessoas em todo o país, certamente estão acompanhando o caso, mas o seqüestrador deve estar adorando fazer exigências e tê-las, em sua maioria, atendidas. De repente, através de um ato criminoso, o seqüestrador, que não conseguiu por meios lícitos, impedir o fim de seu relacionamento com uma adolescente, se tornou o centro das atenções. Em verdade, o seqüestrador tornou reféns não apenas a ex-namorada e a amiga desta, mas todos os moradores daquele prédio e de sua circunvizinhança. Assim, escolas, os serviços básicos (transporte, coleta) e o comércio não podem funcionar (calcula-se que cada loja da região perdeu entre R$ 300 a R$ 1 mil por dia) - porque o seqüestrador “não suportou a perda de poder na relação”. Certamente, temendo essa perda, escolheu uma adolescente para se relacionar. É importante ressaltar que não se trata de um relação amorosa, mas de um caso em que o seqüestrador, sete anos mais velho do que sua companheira, exercitava um jogo de poder, no qual ele já havia sido bem sucedido por cinco vezes: sim, num círculo vicioso - por, pelo menos, cinco vezes - houve o romper (por parte dele) e o reatar (por parte dela). Só que no último rompimento o círculo vicioso foi quebrado pela adolescente. Talvez Eloá, apesar de ser apenas uma adolescente, tenha entendido que não estava a viver um relacionamento amoroso, mas uma disputa de poder, de domínio, de posse. É bom lembrarmos que o termo relacionamento significa capacidade de relacionar-se ou conviver com os outros, o que o seqüestrador já provou, à saciedade, que não tem, pois seu egoísmo (e não narcisismo) tende sempre a querer não só fazer prevalecer sua vontade, mas anular o outro - no caso, aquela que ele finge escolher como sua companheira. Na verdade, esta jamais será vista por ele como sua parceira, sua companheira e, portanto, um ser à parte - mas sua propriedade. Por isso, os interesses e desejos de sua “parceira” jamais serão considerados. Neste momento, o seqüestrador elevou o seu egoísmo a um nível de autismo: os prejuízos que a sua insensatez está causando a centenas de pessoas não importam, pois o seu ato criminoso proporcionou-lhe a sensação de que o único mundo que importa é o mundo que ele criou para si mesmo. Suas “verdades”, suas “certezas” podem ser impostas não só à sua “propriedade”, mas à sua amiga, aos parentes destas, aos vizinhos, aos agentes da lei... Desde as dezesseis horas desta sexta-feira, o seqüestrador tenta obter garantias à sua integridade física. Ele que, segundo o noticiário, invadiu o apartamento onde mora o objeto do seu “amor” com o bolso recheado de munição (cerca de 20, 30 balas), e que agrediu com coronhadas não só dois dos colegas de Eloá, como a própria ex-namorada. E tudo isso, segundo o advogado do seqüestrador - “é prova de amor”... Devemos imaginar a prova de ódio?