Montanha

Há pessoas que têm uma escrivaninha embaixo da janela. A luz do Sol atravessa a cortina que é leve e reflete na folha ainda em branco. Com a cabeça sustentada pela mão, eles enfrentam os medos do mundo e imaginam o espetáculo da vida, elaborando uma história. Uma brisa faz voar um guardanapo com rabiscos que pousa sobre o rabo do gato. Dentro da primeira gaveta da escrivaninha adormecem histórias de ontem com incertos finais.

Há pessoas que têm uma escrivaninha perto da janela cuja vista é uma mutante montanha: modifica-se a cada estação.

Essas pessoas eu classifico como alguém que eu poderia ser. Um eu que entende das guerras que o mundo passou, daquelas que passam e até prevê aquelas que um dia irão passar; alguém com o mapa do mundo vivo na memória. Alguém com um corpo e traços de mulher da idade que é, mas olhos que pararam de envelhecer aos cinco anos de idade. Ollhos vividamente infantis.

Eu sentaria na escrivaninha e olharia a montanha, que não se definiu entre primavera e verão. Eu esqueceria as mentiras mais acreditadas e entenderia o mundo como um suspiro de deus. Tudo seria simples como olhar e acreditar e eu, debruçada sobre o papel, acredito tanto na montanha que nessa tarde ela sou eu.

Laís Mussarra
Enviado por Laís Mussarra em 29/11/2008
Reeditado em 04/11/2009
Código do texto: T1309109