Ars

Sinto pelo que vejo que a insistência de sermos ainda o que nos restou de cinza, bege e marrom, nos levou de encontro a esse mundo de miríades de cores inócuas e nos fez pagar caro por nossos delicados tons pastéis.

Fora d'água nós, da realeza do mar antigo que somos e temos respirado e inundado tudo o que fosse de perceptivo a esses pobres e insuficientes cinco sentidos, fomos intolerantemente privados de tudo isso e nos restou apenas agonizar covardemente olhando de canto de olho para a sombra com o rosto apagado pelo sol que nos escarnia e ri de nossa mera e medíocre condição de objetos sem razão de existência objetiva para esses fins tão banais e oblíquos a tudo o que sempre soubemos realmente relevante a uma existência, seja ela objetiva ou não.

Nós apenas nos subjetivamos para dentro de nossos próprios corpos, agora tão frágeis, expostos às interpéries dos desejos efêmeros daqueles que nada sabem de nossa real condição, e buscamos algo de nossos reinos ancestrais tão docemente pintados por nós mesmos, nossos filhos, nossos pais, avós, e por todos com os quais não convivemos - objetivamente.

Deixamo-nos envadir e evadir pelo famigerado ''último suspiro''.

E enquanto isso eu olhei para a paisagem que se estendia para fora dos limites dos beirais do navio de pesca, tão óbvia, tão banalmente refletida, à margem de tudo que nos acontecia naquele momento tão previsto por todos aqueles que de alguma coisa bela e inútil coroam seus pensamentos, a poesia, a poesia é tudo o que há de belo e inútil, e isso eu poderia lhe jurar assim como lhe posso jurar que naquele mesmo instante olhando os folguedos desenhados pela cortina branca de luz que balouçava vinda da água em frente a nós, eu vi.

Eu O vi.

A Ele, e a Eles.

Todos os Deuses concebidos por todas as civilizações que já passaram sobre esta nossa terra, e sobre outras também.

Eu Os vi, e eles olhavam pra mim, simplesmente olhavam.

Não meditavam, não mexiam seus cajados de forma imponente, não me dirigiram palavras. Nem a mim e nem a nenhum outro deles. Apenas olhavam silentes, belos, inúteis, e ainda sim, nada poéticos.

Naquele momento eu soube que Eles não existiam.

Eu vi que não existiam.

Pois enquanto eu os olhava, abismado, estupefato e moribundo, eu vi que estavam todos ao meu lado, ao meu redor, me olhando com aqueles ocos olhos de todas as formas e cores possíveis e também das inconcebiveis.

Estavam ali, a poucos palmos de meu corpo ferido caído no convés.

E nenhum deles me estendeu a mão enquanto sufocava.

Gravor di Saint Danielt
Enviado por Gravor di Saint Danielt em 08/12/2008
Reeditado em 19/03/2009
Código do texto: T1325041
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