PUROS DE CORAÇÃO

Bem-aventurados os puros de coração! O desprendimento das coisas do mundo abrange não apenas os prazeres materiais que nos testam a resistência aos apelos sensoriais. Não. Mais pungente batalha o homem trava consigo mesmo no interior de seu coração. Tão mais elevada é alma quanto menor for o seu apego ao personalismo que nos caracteriza a individualidade. De efeito, se por um lado a consciência necessita dos estritos limites do ego para se firmar enquanto ser pensante, tão-logo atingida a consciência de si mesmo o homem deve alargar seus horizontes mentais. O homem precisa entender que só existe como homem enquanto parte da Humanidade. Mais que isso, cada ser humano é mais do que uma parte da Humanidade: é a própria Humanidade em manifestação. Na mesma medida em que o todo transcende à mera soma das partes, a Humanidade não é senão a resultante de todos os que a compõem, compartilhando e comungando sua essência. Assim, o homem deve transcender à sua consciência e saber-se em comunhão com todos os seus semelhantes. Deve ser e, sendo, pensar como alguém que comunga do todo universal, ultrapassando os limites do ego, do seu “eu” interior, para assumir-se como uma consciência universal, interdependente do todo, continuamente interagindo com seus irmãos de caminhada.

A pureza absoluta do coração, pois, cinge-se à ausência total de egoísmo. Cada passo, por menor que seja, que afaste o ser do egoísmo leva-lo-á em direção ao altruísmo que informa o conceito de solidariedade e fraternidade, valores essenciais da harmonia entre os semelhantes.

Consoante Santo Tomás de Aquino, o homem só pode viver solitário em três situações: excellentia naturae, corruptio naturae e mala fortuna. Em seu pensamento, o gênio muito acima dos semelhantes, o deficiente mental e o náufrago terminam por viver em isolamento.

Nem mesmo com o grande pensador católico concordamos. Ninguém deve viver solitário, em circunstância alguma. O gênio humano deve empregar sua genialidade em prol de seus semelhantes; o deficiente mental deve receber carinho e atenção como lenitivo de sua desventura; e o homem isolado por um infortúnio, como o náufrago, deve buscar o quanto puder reintegrar-se, tanto quanto outrem deverão buscá-lo o quanto possam. Enfim, o isolamento deve ser entendido como um absoluta exceção, sempre passível dos maiores esforços em reversão. Simplesmente porque a comunhão do espírito humano é senda inevitável para a elevação da alma. Ninguém buscará a ascensão diante de Deus se não o fizer em sacrifício de seu egoísmo, sua egolatria, passando a vivenciar a pureza de seu coração tanto quanto tenha feito da solidariedade e fraternidade o tom maior de sua sinfonia no concerto da vida.

Marco Aurélio Leite da Silva
Enviado por Marco Aurélio Leite da Silva em 11/01/2009
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