A Crise dos Relacionamentos

Você já parou para pensar no por que algumas pessoas iniciam um namoro afirmando que encontraram a pessoa perfeita e, em poucos dias, essa mesma pessoa é vista por você entristecida por descobrir que quem encontrou na verdade não era perfeito, ou até não poucas vezes, você encontra essa pessoa dizendo que terminou o namoro, dizendo com ar entristecido que todas as expectativas foram frustradas? Já se perguntou por que hoje, na era da facilitação das relações interpessoais, tantas pessoas andam insatisfeitas com os relacionamentos que possuem? Já se pegou a pensar por que muitas pessoas encontram alguém numa noite e naquela mesma noite já entregam a sua intimidade, como se não fosse algo precioso, mas como se se tratasse de uma coisa qualquer a serviço do prazer imediato? Já se perguntou por que em muitos de seus relacionamentos você foi abandonada (o) no meio do caminho, sem muitas explicações?

Essas, e muitas outras perguntas nos passam pela cabeça e nos fazem perguntar no por que há hoje pessoas com um volume imenso de relacionamentos, mas nenhum que lhe satisfaça; no por que muitas pessoas entram num relacionamento apostando altos lucros quando, muito em breve, saem na mesma velocidade com que entraram, com a conta zerada, ou muitas vezes com altíssimos saldos negativos.

A maioria de nós já se pegou com seus botões a pensar no por que os relacionamentos estão cada vez mais frágeis e superficiais. Por que as pessoas não são mais vistas como seres humanos, mas sim como objetos e coisas, como um produto a ser comprado no mercado da vida. Pode até parecer confuso de início essa idéia, mas a realidade é incontestável ao vermos como as pessoas andam frustradas consigo mesmas e com quem está ao seu redor.

Para você entender a beleza de uma flor, deve conhecer antes o chão em que foi plantada. Para você entender a realidade dos relacionamentos de hoje, deve conhecer o chão em que ele nasceu e o adubo que o fez ser do jeito que hoje é. E o grande problema está no fato que as pessoas já não mais se relacionam com seres humanos, mas com objetos – pessoas que foram coisificadas, transformadas em produtos prontos a serem consumidos.

Desse modo, para conhecermos os relacionamentos (e todos os problemas que diagnosticamos acima – entre outros tantos), devemos analisar a sociedade de consumo que serve de base a nossa vivência cotidiana. A exposição ao consumismo nos fez levar a sua lógica para os relacionamentos interpessoais.

Tudo começou, sutilmente, com a prevalência do ter face ao ser, com a valorização da pessoa através daquilo que ela tem. Cumpre ressaltar que hoje ultrapassamos a era do ser, do ter, e vivemos sobre a égide do prazer. Mas, como dito acima acerca do ter, a importância de uma pessoa se mede então pelo seu poder de compra: o quanto uma pessoa é capaz de comprar mostra o quanto essa pessoa é importante na sociedade. A inserção da lógica do consumo nas relações humanas é a fonte das principais fragilidades que podemos facilmente constatar, mas vejamos apenas umas delas.

Quando você adquire um celular, busca duas coisas: que ele seja útil e que ele lhe satisfaça. Eis as duas leis básicas da lógica do consumo: a satisfação e a utilidade. Ninguém fica com um celular em casa que esteja quebrado: ora, um produto tem que ser útil, caso contrário irá para o lixo! Veja que quando uma pessoa não lhe traz nada de bom, você não tem por que ficar com ela, abandone-a, ou seja, jogue-a no lixo e busque uma outra pessoa que lhe seja útil, como da mesma forma você compraria um novo celular...Do mesmo modo, ninguém fica com um produto em casa que não satisfaz aos seus interesses, por isso que sempre quando compramos algo queremos “satisfação garantida”.

Acontece que há uma diferença ao se jogar uma pessoa no lixo da existência, como se fosse um celular fora de linha: uma pessoa tem sonhos, tem medos, alegrias: não se trata de uma máquina. Assim fica fácil entender o porquê um namoro dura tão pouco: ele persistirá somente enquanto ele for útil e satisfazer, caso contrário, irá para o lixo como o celular que falamos há pouco. Nenhum relacionamento durará mais que o tempo em que ele for útil e satisfazer.

Nenhum ser humano é perfeito: todos erramos, falhamos, machucamos e ferimos as pessoas com que nos relacionamos (principalmente as que mais se ama). Nenhum relacionamento será um mar de tranqüilidade e de satisfação: as pessoas nos frustram! Acontece que, na lógica do consumo, na primeira frustração, a pessoa não satisfeita abandona o barco. Desiste. Essa lógica maléfica jorra seus maus efeitos para todos os que se relacionam dessa forma. Ora, se na relação a pessoa que primeiro fracassar será abandonada, isto gera sensação terrível de ansiedade, para as duas partes, pois ninguém sabe quem será abandonado primeiro, porque você a qualquer momento pode falhar, machucar, não satisfazer as expectativas, e pode por isso ser abandonado a qualquer momento! É o chamado namoro “até segunda ordem”, nas palavras de Z. Bauman.

Disto podemos tirar dois exemplos que comprovam o que estamos falando: o primeiro, não mais importante que o segundo, é o surgimento da “Era do Ficar”. Ora, se as relações duradouras podem te frustrar, fuja delas! Não crie comprometimentos. No “ficar” você fica somente com a parte “boa” do produto que está consumindo: com a satisfação e utilidade. Não criar relacionamentos sólidos, nesta lógica, é uma garantia, ao menos aparente, contra as frustrações que o companheiro lhe poderia causar. Acontece que relacionamentos superficiais (líquidos, frágeis), que não passam do rótulo físico da pessoa, transformam os seres humanos em objeto à serviço de nosso egocentrismo (busca da minha felicidade) e busca frenética por satisfação e prazer imediatos. De fato, “ficar” dá a idéia – imediata – de que você resolve todos os seus problemas de relacionamento. Ledo engano: ninguém explica o aumento do vazio da juventude, o estado de ansiedade crescente, a angustia por ser o “melhor objeto da praça”, o mais cobiçado, pronto para ser consumido (mas num fast food, nada de coisas duradouras). Nem o sabor que estava na boca permanece por muito tempo. Tudo se desfaz no ar, tão rápido como levou para começar.

Abro um pequeno parêntese para explicar, ainda que brevemente, a luta por ser o “melhor objeto da praça”, principalmente no sexo feminino: a busca pelo corpo perfeito está levando as mulheres a um estado de angustia crescente por se adequar ao padrão de beleza que é indicado pela sociedade de consumo. Isto explica porque a maioria das mulheres, 97%, anda insatisfeita com alguma parte do seu corpo, pois estão aprisionadas na masmorra dos padrões de beleza sociais – como se posse possível padrozinar a beleza (Augusto Cury).

O segundo exemplo se mostra de comprovação irresistível: sendo que a duração dos relacionamentos está ditada pela lógica do consumo (utilidade e satisfação), no momento que um destes dois princípios desabarem a relação também vai para o chão. Isto explica o fato de que, na nossa atual sociedade consumista, aumentou de forma geométrica o número de divórcios. A explicação é singela: “se seu esposo(a) não é mais útil para você, se você anda insatisfeita (o) com seu relacionamento, termine este casamento e parta para outra!”. Na sociedade de consumo não se admite um produto que lhe traga um mínimo de insatisfação. Levando esta lógica para os relacionamentos, vemos o porquê se aumenta o número de pessoas que buscam a pessoa perfeita (que não tropece, que não falhe, que seja sempre um mar de maravilhas).

Na lógica consumista, o rótulo do produto atrai o comprador. Os efeitos dessa lógica nos relacionamentos é aterrorizador: muitas pessoas passam horas nas academias para embelezar o seu rótulo e não gastam uma hora sequer para preencher sua personalidade com carisma, sensibilidade, sabedoria, caráter. Isto explica o conflito que se instala na pisque de uma mulher quando diz que procura um “homem sarado” quando descobre que, por traz deste homem de bela aparência, há uma pessoa rude, egoísta, que é violento, etc. Da mesma forma explica o fato de que jovens se esforçam para se encaixar no padrão de beleza magérrimo imposto pela sociedade e fazem mil e uma plásticas em todo o corpo, esquecendo-se que, depois de tantas transformações (se estiver viva e com saúde), terá uma guerra diária para se manter naquele corpo, simplesmente para ser vista e, no primeiro olhar, ser reconhecida como “um bom produto”! Que absurdo é este?

Existe uma terceira lei na lógica do consumo que é essencial para compreendermos nossa atual realidade: se não podemos resolver o problema dos relacionamentos pela qualidade, resolvamos pela quantidade (Bauman). Por que eu preciso ter 976 amigos no orkut? 879 contatos no msn? Por que preciso ficar com meu celular sempre ligado esperando que toque para que eu me sinta importante? Por que precisamos de sons altos nos carros? Para chamar atenção e dizer que existo e atrair o maior número de pessoas para meu redor?

Se você não consegue ter amizades sólidas, um namoro comprometido, em que haja uma verdadeira caminhada existencial, uma relação profunda com cada pessoa que vive ao seu redor, com qualidade, se não podemos mais perder tempo em aprofundar um relacionamento; se podemos ter, neste mesmo tempo, o contato com vinte ou trinta pessoas diferentes, por que me desgastar com uma só pessoa? Por que me arriscar a me frustrar, a ser magoado num relacionamento comprometido, se posso fugir com a garantia de satisfação máxima (ao menos por um tempo mínimo)?

A fragilidade dos laços humanos mostra o atual estágio de desumanização da humanidade. Nunca fomos tão robóticos e matemáticos. Aliás, vivemos como se nos relacionamentos precisássemos de uma calculadora do lado e, quando os “prejuízos” começarem a aumentar, bastaria apenas abandonar o barco, “sair fora” – procurar uma nova pessoa, como se procura um novo modelo de celular que substitua o seu que está “em desuso”, fora de moda.

O Ser Humano se desatualizou no único lugar que não poderia: nos laços com as pessoas. Ao entender uma pessoa como um produto, sabendo que você também é considerado um produto, gera uma situação de insegurança, medo de frustração e sensação terrível de “não atender as expectativas”.

Usando as palavras de Cury, estamos nessa vida para contrair dívidas. Todos nós estamos devendo mais de nós mesmos para nossos pais, amigos, etc. Ou seja, todos nós frustramos e somos decepcionados na vida. Isto é se relacionar com um ser humano de verdade! Os objetos são previsíveis. Os seres humanos nos surpreendem. Os objetos não podem saciar sua fome pela carícia essencial, necessária a todos nós. Ninguém vive sem o cuidado (M. Heidegger e Leonardo Boff): sem cuidado, nem nosso nascimento seria possível. Um ser humano que não troca risadas, que não fala de suas frustrações, que vive para trabalhar, que não tem tempo para fazer as coisas que gosta, que corre a todo o tempo sem ter tempo para nada, está perdido na lógica do consumo que o transformou em um simples produto no mercado – ou uma peça no mecanismo da empresa. Todo produto satisfaz também pelo seu resultado. O status social, as conquistas materiais, um corpo “perfeito”, muito dinheiro, etc... tem feito muitas pessoas correrem como loucos, durante uma vida toda. Chegam ao final de suas vidas decepcionadas, vendo que, por mais que corressem, nenhum produto seria capaz de satisfazer aquilo que um ser humano poderia dar.

O que era normal, na sociedade do Consumo virou anormal: dar abraços, ter amigos de verdade, ter um sonho, rir a vontade sem medo das pressões sociais, ser feliz independente das opiniões dos outros, etc... virou exceção, você pode muito facilmente ser tachado de louco.

Quando as pessoas são vistas como produto, não passam de um simples objeto, de um número na multidão, e objetos não tem sentido de vida, são ocos, não tem mais razão de viver (até porque objetos não vivem!). Isto explica porque tantos suicídios, explica também porque esta atual multidão de jovens ansiosos e de pessoas com depressão.

Prefiro me arriscar a ser tachado de louco, e chegar ao final da corrida e dizer que valeu a pena. Prefiro viver onde cada pessoa é um mundo a ser descoberto e possui uma riqueza única (nunca será um mero objeto, sua beleza e riqueza vão além do mundo material), onde as relações são uma possibilidade de se autoconhecer, conhecer o outro e a Deus.

É importante lembrar que Jesus nos disse que “O Reino de Deus está entre nós”, ou seja, é no contato com o outro que nós nos realizamos como seres humanos. Por isso, transformar o outro em objeto é tão grave, pois estamos destruindo o próprio Deus que está entre os seres humanos.

Prefiro me arriscar a ser tachado de louco, e chegar ao final da corrida e dizer que valeu a pena. Conhecer uma pessoa a fundo importa em conhecer seus maiores medos e fragilidades. Quem não quer conhecer este mundo no outro, tampouco conhece as suas imperfeições (faz questão de esconder e nunca falar sobre isso com ninguém), o que nos faz sentir que vamos durar para sempre, como um ser perfeito e infalível.

Por isso que apostar em relacionamentos sólidos pode nos gerar frustrações, mas nos garante a nossa humanidade, com risos e sentido de vida. Isto nos difere dos produtos que somente saem da prateleira dos mercados, para pouco em breve, tornar-se um pedaço de plástico no lixo da existência. Também não estaremos mais fadados a estar insatisfeitos eternamente, correndo de lugar nenhum para lugar nenhum na busca de um ser ideal, pois sabemos que a beleza de alguém não está no seu rótulo, mas nas profundezas do seu ser – com suas fraquezas e grandezas – isto é relacionar-se com amor.