Palavras da Solidão

A encarnada Solidão contemplava o mundo pela janela, e quando caminhava pelas ruas buscando sentido, não entendendo os toques, pois sabia que a todos envolvia: estavam completamente sós, incapazes de dividir o que sentiam ou pensavam; almas presas a corpos em completa desolação.

Ela ouvia os lamentos por trás das frases, mas estavam surdos, ocupados demais a ouvir seus murmúrios mentais, tentando calar as vozes abafadas de seus âmagos que grunhiam com dores dilacerantes: existir a qual preço? O da incompreensão.

Uns confiam nos astros, outros nos livros, outros apenas vivem sem confiar ou pensar, se deixando levar, e eu, a Solidão, vivo em cada um. Vivo sorvendo das desilusões a consciência momentânea de seu estado de isolamento, quando se sentem pequenos diante de um céu estrelado, de quando pensam, em desespero que basta um corpo celeste incandescente despencar do firmamento para causa a destruição de suas, tão sem importância, existências! Eu não me divirto com a desgraça de vocês, sou séria e comedida, pois vejo a essência humana e, há tanto tempo aqui, já conclui o obvio: minha existência é ainda mais desgraçada, que sou mero sentimento dentre tantos, algo sem existência palpável, sem a dádiva da finitude, fragmentada em todos os corpos, enquanto houver vida, até que se extinga, finalmente, todo o ser e eu me liberte de ser ente que não sente.

Há na sua angustia meu deleite, há em sua felicidade minha ruína, enganam-me quando à noite se permitem ouvir no silencio suas almas, e admito que este seja o momento que quase me matam, por completo, dentro de si, não digo que, de fato, se toquem, se encontrem alma/alma, mas há, ainda que não creiam, limiares tênues entre o que se é e o que se quer ser, e quando o que mais querem é se tocarem, desaparecem os limites, e acabam por se misturar, nem que por alguns segundo, tirando-me da jogada então. Contemplo com deslumbre, certamente, mas volto tão depressa quanto sai, admito que quase com orgulho da superação de tal obstáculo volto a meu lugar, são admiráveis em sua insignificância, mortais, como o são! Dignos de pena, muitas vezes, mas condenados a serem livres, em um caótico meio, sem grandes armas, diria que têm potencial...

Este meu diário escrito a ossos e sangue é a ironia mais doentia, como a própria Solidão, confessar-me reflexiva é estar, talvez, envolvida de mim mesma, sem ter a quem dividir os pensamentos...

"AUSÊNCIA

Por muito tempo achei que a ausência é falta.

E lastimava, ignorante, a falta.

Hoje não a lastimo.

Não há falta na ausência.

A ausência é um estar em mim.

E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,

que rio e danço e invento exclamações alegres,

porque a ausência assimilada,

ninguém a rouba mais de mim."

Carlos Drummond de Andrade

T Sophie
Enviado por T Sophie em 18/03/2009
Reeditado em 11/04/2009
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