A Avalanche

A avalanche

O som ensurdecedor anuncia o que está prestes a ocorrer. Toneladas de neve, junto com outros materiais, descem em alta velocidade. A força, somada a velocidade, tornam extremamente potente a avalanche que está descendo e se aproximando. Sua grandeza leva tudo o que encontrar pelo caminho. Sem qualquer possibilidade de defesa.

Numa relação metafórica, é o que acontece na mente de grande parte das pessoas que vivem na pós-modernidade.

As pressões, os compromissos, as exigências de resultado a todo custo, as expectativas dos outros sobre nós, a competição sem fim, tudo desce sobre nossas cabeças como uma avalanche. Não bastasse isso, em decorrência de inúmeros fatores, não somente a “neve” compõe esta avalanche que desce sobre nossas cabeças. Muitos pensamentos negativos, raivas, angústias, ansiedades, entre outros pensamentos e sentimentos, avançam com velocidade tremenda para dentro de nossa cabeça. Somos muitas das vezes engolidos por estes sentimentos e pensamentos que nos dominam, nos sufocam, e nos jogam para onde querem. Não se há para onde correr. Ficamos inertes e, assim, indefesos.

As causas para estas avalanches são sociais, isto é, não se há escapatória para quem esteja nesta sociedade, isto alcança quase o inevitável. As avalanches se tornaram comuns a todas as pessoas que estão neste círculo altamente veloz de atividades, medos, perseguições e competições.

Entretanto, as respostas das pessoas diante desta avalanche interior são das mais diversas. Uns sequer notam que a avalanche se aproxima, e são engolidos sem perceber por ela; outros, a vendo, decidem correr, fugir – sem obter êxito. Uns decidem, diante da antecipação da avalanche que terão de enfrentar, correr desesperados para o problema, a fim de “acabar logo com isso”; outros decidem esperar sentados, posto que não há nada o que fazer: “afinal, é uma avalanche e eu, um mero e pequeno ser humano”. Uns decidem encarar com garra a avalanche, mesmo sabendo que ela irá esmagá-los; outros, decidem se esconder em algum lugar, achando ser possível escapar da avalanche.

De todas as formas de “defesa” a mais ingênua e ineficaz é a solução que o próprio sistema propõe – porém é o mais utilizado: Ora, se a avalanche é interior, saia de seu interior depressa. Fuja para o exterior. Muitos que tentam dizer não a esta fuga de si mesmo são empurrados, jogados para fora de si mesmo e com violência, pelas “forças sociais”.

Tudo isso explica muito do porquê as pessoas valorizam cada vez mais o exterior, a superfície das pessoas. Também explica o porquê os nossos julgamentos nascem e morrem a partir das conclusões que tiramos a partir da aparência das coisas. Ora, não se pode exigir profundidade de pessoas que apenas molham seus pés no oceano da existência!

Entretanto, devemos pensar num outro ponto, que por vezes passa despercebido. Se fugimos para o exterior, isto não impede que a avalanche interior deixe de acontecer! Tudo bem, parece mais fácil abandonar o barco se ele está afundando. Acontece que abandonar o próprio barco em que você está obrigado a navegar todos os segundos da sua vida, além de impossível, se houver esta tentativa, os resultados são desastrosos.

Fugir de si mesmo é a efetivação das maiores solidões. Como diz Cury, quando nos abandonam, até é suportável, mas quando nós nos abandonamos, esta dor é insuportável. Quando você se retira de si mesmo você deixa que a avalanche domine o seu interior. O cetro do seu reino interior está entregue para uma avalanche de pensamentos negativos, de raivas, angustias, pensamentos antecipatórios, pressões sociais, ressentimentos do passado. Eles nos dizem como devemos reagir, como devemos pensar, falar, e sentir.Somos guiados pelos nossos piores fantasmas. Pior que isso, fingimos não estar nem aí. No entanto, como dito, a avalanche não deixa de mostrar sua força e violência. A multidão de pessoas que são derrubas pela depressão, atualmente, é um exemplo claro que não se pode contestar.

Até os que se acham sadios, ora são surpreendidos por uma avalanche e, diante dessa tensão, não sabem o que fazer e tomam a decisão que a sociedade sutilmente o oferece: “fuja de si mesmo”, “esqueça seus problemas”, “divirta-se”. Acostumados que estão em viver na externalidade, quando deparados com um problema interior, não sabem o que fazer, e preferem aceitar a proposta encantadora do Sistema – fugir para fora de si mesmo.

Todos estes remédios apenas nos adormecem para uma dor que persiste em latejar. A fuga no nosso interior é um ato de derrota. A cada fuga que fazemos de nossos fantasmas e das avalanches que nos afetam, reforçamos uma crença ficta de que não somos capazes de enfrentar nossos problemas interiores. Isto explica muitas coisas, dentre elas o porquê muitas pessoas querem pagar para um profissional de psicologia para resolver seus problemas interiores: “resolva, você é pago para isso, me cure, retire esses pensamentos de mim”. Também explica porque queremos a cada problema interior, sair para fazer compras, comer guloseimas, sair para se divertir, etc. (soluções exteriores).

A fuga de nós mesmos faz com que tomemos uma das mais burras atitudes mentais. Pense: você pode controlar seu estomago? Se você pudesse, você o paralisaria? Sua resposta seria obvia: “é evidente que não, meu organismo não suportaria!”. Muitas pessoas, contudo, param o seu aparelho digestivo psicológico. Muitas coisas na sua mente ainda persistem não digeridas, e lhe causam forte indigestão, lhe incomodam todo o dia.

Muitas avalanches persistem dentro de nossas mentes. Com o descer da montanha, a avalanche consegue mais volume, pois leva os materiais que encontra pelo caminho, junto consigo. Como também nos ensina as leis da Física, a sua velocidade aumenta cada vez mais, com o descer da montanha.

Os pequenos deslizamentos que temos, se transformam em gigantescas avalanches que não podemos controlar, tudo por não encararmos estes fatos pequenos interiores, com ousadia e determinação. É claro que, deixar para que a avalanche multiplique sua força e velocidade, pode nos fazer chegar a uma situação de descontrole total. Não sabemos, e não temos força de encará-la nestes graves momentos. Aliás, se não encaramos quando ela era pequena e controlável, o que nos fará pensar que podemos controlar uma avalanche gigante? Se nos ajoelhamos diante das pequenas perdas e frustrações, quem nos convence que poderemos enfrentar o mostro que é uma avalanche consolidada?

Entretanto, no mundo interior não existem partidas perdidas. A capacidade humana de renovar suas forças é inatingível – incalculável matematicamente. Mais. Temos sim a capacidade de encarar as piores avalanches. O território da emoção e dos pensamentos onde elas acontecem sempre poderá ser um palco onde o “eu” não é um agente passivo e inerte. Neste território temos a sede de nossa liberdade. Não nascemos e não somos predestinados a ser escravos de nossos medos, angustias e decepções. A avalanche, por mais que seja resultado de uma negligência, pode ser enfrentada e vencida. Isto não dispensa suor. Também não dispensa a, cada vez mais rara, capacidade de se interiorizar. A capacidade de navegar dentro de si mesmo, acalmando os mares turbulentos, exige que nós enfrentemos nossos piores fantasmas. Mas, contudo, é uma exigência para quem pensa em qualidade de vida, serenidade. Fugir desta batalha é dar a vitória para as avalanches interiores por “W.O”.