Qual ponto de vista?

Começo a leitura do jornal. O que esperamos encontrar nas suas páginas? Informações. Mas, isso realmente acontece? Deparo-me, nesse momento, com um artigo sobre o Brasil. O conhecido autor oferece uma torrente de números para provar que o nosso país é uma pujante economia repleta de possibilidades para um futuro brilhante. As empresas norte-americanas e européias desejam investir num mercado com milhões de famílias classificadas, segundo o IBGE, como pertencentes à classe média. Um exército de emergentes prontos para consumir todos os imprescindíveis produtos da cultura dominante. O texto prossegue citando números e mais números. Como um déspota, talvez esclarecido, as estáticas decifrariam os mistérios da vida brasileira. Onisciente elas conferem a cada decisão um caráter de segurança e otimismo. Em tom imperativo uma voz doce declara: não seja pessimista, porém, observe os números oficiais e prepare-se para ser feliz comprando incessantemente novas quinquilharias.

Ao terminar de ler comecei a pensar sobre a função que os números desempenham no discurso dos meios de comunicação. Para iniciar tive de desviar meu olhar do mundo de consumo em massa por alguns momentos. Todas as cifras mostravam como o consumo cresceu: das massas instantâneas ao alimento para cães. Foi uma tarefa difícil e que exigiu muito sacrifício. Porque tal visão oferece uma série de atrativos que monopolizam nossa atenção como um eldorado. Quando se trata de belíssimas mercadorias expostas artisticamente nas vitrines corremos o mesmo risco dos conquistadores espanhóis. Enfim, sejamos corajosos, proponho ressaltar uma outra característica, além de ilustrar artigos otimistas no jornal, que os números possuem dentro do sistema capitalista.

O pensador alemão Max Weber definiu o conceito de capitalismo por dois aspectos principais: o racional e o burocrático. O indivíduo, segundo ele, passaria a ser controlado em cada um dos seus atos. O capitalismo moderno necessita para seu desenvolvimento prever totalmente os comportamentos da sociedade. O cidadão, portanto, ficaria engaiolado pela burocracia criadora de regras e impostos.

Para exercer uma coerção tão profunda o Estado deveria criar mecanismos eficientes que possibilitassem a vigilância burocrática. Surge, nesse momento, a demanda por informação confiável e abundante. Números e estatísticas transformam-se em instrumentos fundamentais para o Estado e para as empresas. Eles traçam um mapa completo dos mais diferentes setores da sociedade. Assim, os burocratas passam a contabilizar toda a nossa vida em cada detalhe.

Todos os dias novos índices surgem, por exemplo IDH, para auferir a realidade e aumentar o controle daqueles que dispõe do poder político-econômico. Mesmo o cidadão sem acesso a outros meios de informação pode saborear a volta da inflação e a elevação dos juros através dos telejornais. Entretanto, o mais importante é não esquecer de que tudo o que as estáticas revelam depende fundamentalmente da interpretação que os índices recebem. Os dados em si pouco dizem. Eles adquirem sentido de acordo com os interesses daqueles que controlam sua produção. Por isso, antes de pensarmos num “outro ponto de vista” devemos considerar que cada ponto de vista representa um interesse diferente dentro da sociedade. Números são armas poderosas na luta pelo convencimento, seu poder mágico pode nos levar a acreditar que vivemos, como ironizou Voltaire, no “melhor mundo possível”.

Marques Nunes
Enviado por Marques Nunes em 21/05/2009
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