Eu, leitor

“Embora tenha sido um leitor voraz e ardente, não me lembro contudo de nenhum livro que tenha lido, a tal ponto eram minhas leituras estados de minha própria mente, sonhos meus, e ainda provocações de sonhos” (Fernando Pessoa, O eu profundo).

Não leio o que está escrito.

Leio a mim mesmo, o que sou, no escrito dos outros.

Não leio o que está escrito.

Leio a minha própria vida, êxitos e fracassos pessoais.

Não leio o que está escrito.

Leio a verdade que imagino poderia estar no escrito.

Não leio o que está escrito.

Leio o que acho que seria melhor para o tema abordado.

Não leio o que está escrito.

Leio o que aprendi, o que sei, aquilo em que acredito,

Não leio o que está escrito.

Leio o que eu gostaria que no texto estivesse escrito.

Não leio o que está escrito.

Leio o que imagino que o autor poderia ter confessado.

Não leio o que está escrito.

Leio o que me dá motivo para o prazer e para o riso.

Não leio o que está escrito.

Leio o que acho que o autor quis comunicar ao escrever.

Não leio o que está escrito.

Leio para confirmar meus saberes e minhas crenças.

Como metade do que leio me pertence, acabo sempre reescrevendo o que leio, e, ao ler, sinto raiva, tristeza ou alegria. E está tudo bem assim. Pior seria se o texto não fosse aquela ponte onde leitor e autor se encontram a caminho da vida mesma, mediante a tarefa desafiadora que é o escrever à procura do sentido.