Fiat Theus

Faça-se o Deus!!!

Encontre-o,

se possível, desvalido e só

Transfigure-o,

subsumindo esse desamparo

Hostilize-o,

quando falível, mísero e falho

Divinize-o,

na partida, na morte, no enterro

Sacrifique-o,

na cruz de sua língua, de seu olho

Ressuscite-o,

identificando-o à perfeição celestial

Cultue-o,

este será o seu Deus amantíssimo

Use-o,

ele negará sua miséria existencial

Multidões,

façam dessa catarse o rito precípuo

A sua fase

de sanha plenipotente pelo telúricocéu

Ainda que vão

Ainda que nulo

Ainda que bolha

Ainda que vazio

Ainda que caos

Ainda que entulho

A verdade é incontestável:

Todo humano que se preze

Tem o sacratíssimo direito

às idiossincráticas ilusões

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"AMADO MICHAEL

(Tom Zé)

Negro da luz que desbota branco

Tanto talento tormento tanto

Tanta afronta de pouca monta.

Eia! virtudes em farta ceia

Todo encanto que pode o canto

Toda fiança que adoça a dança.

Que deus nos furta vida tão curta?

Mundo lamenta: ele mal cinquenta!

A ninguém ilude essa bruxa rude.

Paroxismo desse Narciso

Que achou desgosto no próprio rosto

E apedrejou-se com faca e foice.

Avança a rua (uma dor que dança)

E em seus telhados mandibulados

Requebra os hinos do dançarino.

Niños, rapazes, se sentem azes

Herdeiros todos e seus parceiros

Revelam parque, porto e favela.

II

Da Grécia três te trouxeram Graças

Arcas repletas de belas artes

Arcas que deram ciúme às Parcas.

Que luz trarias tu, mitologia,

Para um tal desatino de destino

Que o espandongado toma por fado?

Porque o povo grego disse que

Se a hybris o herói consigo quis,

Se condiz ao lado dela ser feliz

Ele mesmo será pão e maldição

Enquanto gera para os olhos de Megera."

(Folha Online, 29.06.2009)