Sonambulismos

"Mesmo o homem mais irracional precisa, de tempo em tempo, novamente da natureza, isto é, da sua 'ilógica relação fundamental com todas as coisas'" (Nietzsche, Humano, demasiado humano).

"Amas a noite pelo poder de aniquilamento que encerra e sabes que, dormindo, os problemas te dispensam de morrer" (Carlos Drummond de Andrade, Sentimento do mundo, 'Elegia').

É necessário estar sempre bêbado. Tudo se reduz a isto: eis o único problema. Para não sentirdes o fardo horrível do tempo, que vos abate e vos faz pender para a terra, é preciso que vos embriagueis sem cessar. Mas - de quê? De vinho, de poesia ou de virtude, como achardes melhor. Contanto que vos embriagueis. E, se algumas vezes, nos degraus de um palácio, na verde relva de um fosso, na desolada solidão do vosso quarto, despertardes, com a embriaguez já atenuada ou desaparecida, perguntai ao vento, à vaga, à estrela, ao pássaro, ao relógio, a tudo o que foge, a tudo o que geme, a tudo o que rola, a tudo o que canta, a tudo o que fala, perguntai-lhes que horas são; e o vento, e a vaga, e a estrela, e o pássaro, e o relógio, hão de responder: - É a hora de embriagar-se! Para não serdes os martirizados escravos do tempo, embriagai-vos; embriagai-vos sem tréguas! De vinho, de poesia ou de virtude, como achardes melhor" (Baudelaire, Pequenos poemas em prosa).