O valor do que chega depois*

Nicolau Gogol foi um escritor russo que viveu entre os anos de 1809 e 1852. Um contista de mão cheia. Antes de ser reconhecido como tal, Gogol fez a tentativa de ser professor de história no ano de 1835. Malogrado esse intento, começou a escrever. Entre suas obras, encontramos o conto “O inspetor geral”. Prestemos atenção no enredo dele.

“O inspetor geral”** é uma comédia, que ele escreveu após decidir: “Vamos rir, rir até não poder mais. Viva a comédia!”. E o faz, nesse texto, ao acompanhar os passos de Ivan Khlestacóv, o jovem funcionário de São Petersburgo que, tendo se dado a jogatinas e perdido o que possuía, abortou planos de viagem que o levariam de volta à família. Preso numa cidade onde não vislumbrava maneiras de ganhar dinheiro para ir adiante, Ivan descobre que a cidade que o acolhe estava à espera de um Inspetor Geral, funcionário que viria da capital para fazer diligências no sentido de combater a corrupção insuportavelmente implantada naquela cidade.

Aí ele viu uma possibilidade de ganhar dinheiro. Fez-se emissário do Czar, dizendo ser o referido Inspetor Geral. O curioso é que, sem checar nada e sem maiores cuidados, a comunidade o acolheu nesta condição: como um amigo do regime imperial. Por conta dessa acolhida, ele recebeu tudo: festas, agrados, ouro e dinheiro, considerável quantia de dinheiro.

Quando já estava de posse dos recursos para seguir viagem, então foi descoberto. Ágil, quando a máscara caiu, já se encontrava longe. Enquanto todos discutiam como aquilo pode ter acontecido, aí, sim, chegou à cidade o verdadeiro Inspetor Geral, ao qual aquela comunidade teve de prestar as devidas explicações sobre as falcatruas que praticava, acobertava e não queria que fossem inspecionadas.

O que podemos entender desse conto, entre outras coisas, é que não é porque alguém é o primeiro a chegar que vai, por isso, merecer açodada legitimação. Às vezes, o que vem depois é que pode fazer a diferença que marca.

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*Trecho da abertura do trabalho acadêmico "A filosofia no Ensino Médio: que presença curricular é essa?", que apresentarei dia 10 de julho na Anpedinha: IX Encontro de Pesquisa em Educação da Região Sudeste, na UFSCAR, em São Carlos, entre 8 e 10 horas.

**GÓGOL, N. O inspetor geral. Trad. S. Orthof. São Paulo: Scipione, 1988.