ENSAIO SOBRE A CONFIGURAÇÃO DO TÉDIO NA SOCIEDADE DE CONSUMO.

I.

Tanta gente às vezes se preza a se explicar dentro do “por que/ para que escrever”. Às vezes ainda: para quem.

Bom, vou me apresentando. É para mim da mesma forma que não o é. Veremos isto mais adiante, no que sou eu, o outro, coisas todas. E vai sendo mais ou menos assim: vomitar. Organismo expulsando qualquer coisa ante a qual não continua. No caso, uma percepção que é elaborada e transmitida.

Se é preciso seguir sempre velhos moldes para se inserir e ser de fato um ser - humano da sociedade atual, tradicional, totalmente atuante e dentro do mundo, vamos abarcar a parte desta coisa besta que é a ciência. Tudo invenção, mas tão viável: é o que temos. Uns deus, outros religião, outros outras tantas outras ainda.

Em minha opinião o melhor, no que “melhor” se valha, é quando resta fé nesse imediato a que remetemos coisas simples da vida: eu e o outro. É por isso que até vai se pautar no discurso do outro, quando ele é também meio teu. A ciência. Particular de cada um. Não cabe explicar os mecanismos de Identificação (psicanalítica da escola da coisa freudiana... e isso é termo!); vale dizer que alguém falou sobre eles e resta pensar nisto porque o pensamento é compartilhado (... da necessidade de cooperação no trabalho pela necessidade do sustento, em motivação a necessidade de se atingir o maior, o capitalismo enfim e a lógica constante do mundo mais além, surge a linguagem... instrumento do instrumento do homem que é o trabalho e sua atividade fundamental cuja produção... ): é teu é meu é outro sou eu, é a esperança em si: teorias, historicidade, teor de verdade.

Organismo expulsando qualquer coisa cuja presença é disfuncional. Evita-se qualquer absorção do qualquer coisa: expulsar, expelir, que não fique ruim, que não contamine. Escrever agora é isso, é gritar simplesmente. O desabafo em si. A demanda em si. Precisa-se ir mais além, no entanto. Isto de morrer por completo é bom, porque finalmente se pode viver. Ou talvez, viver pressuponha angústia, muitas vezes penso, e isto então é viver um pouco no antes, no que deveria fomentá-la. Mas este é outro mérito que mais introdutório. Ficamos no agora.

II.

A grande configuração que abarca o mais além é a falta. Ela é ainda mais real, ou seja, ainda mais ilusão. O fato é que entre pensar e escrever há uma perda. Entre pensar e viver há uma perda. Entre o abstrato e o concreto há desfalque. É tudo imparcialidade e círculo sem fim, é pedaços do todo, é eu incompleto, é eu na falta e na dor, é eu sem mim, é ilusão.

Vai sempre faltar, por isso escrever agora é grito e o faço mais faltante-desfalcado incompleto ainda, mais sem você aí deste outro lado ainda, não é teorização, não é a religião da dor: nessa em que tanto gozamos. Gozar? Prazer? Quem o instituiu antes de despertarmos a consciência de não o tê-lo?

A realidade vai sendo uma grande e complexa rede de ilusões.

E mais além o que é que tem? E no que dá pra ver, o que é que se faz?

III.

Vou tentar mais é misturar ao invés de categorizar. Afinal, inventou-se a palavra e inventou-se o conceito: ordem mesmo não existe. É vislumbre afinal, o real mais alcançável. Palavras soltas, atitudes sutis, coisa meio oculta intocável a ser desperta. É romântico: é sempre meu, é sempre instituído determinado implicado: vai ver nem é nada disso.

Mas suponha que seja: vou vivendo o suicídio lento, suicídio no mais puro da transversalidade: é a ausência completa do outro.

De vez, vem a ausência completa de si mesmo (para si, para o outro, para o real?). Escrever é meu mais largo modo de matar a mim, matar-me a vocês. Se da ausência de si é feita a ausência do outro e o eu não é o é sem o outro, não sei. Penso, entretanto, que é isso o meu agora: saber sem ter colo, perguntar sem ter resposta, configurar uma existência que se frustra em não encontrar qualquer conforto no único que é esperança de saída do irremediável.

É desesperante a própria fuga disto: é colocar o isto e pedir que lhe tirem-no dele. Isso de agora é então: negar o isto de agora em se render a tua voz calada ou dirigida em tratos ruins ou não. É esboçar o gesto e esperar sentado com braços cruzados a ver o que é que movimenta. Grito. Você me corre? Falo aqui agora no escrever. Você?

IV.

Tenho medo de ir endurecendo se topo bater de vez com a cabeça na parede. Temo esta amargura – e que desgosto ser a representação de algo que tanto desprezo. Algo da estopa desgastada de mim repete sempre: dá-me vida, vida verdadeira e real. Porque ao redor existem os outros que sorriem ou ao menos não choram – não pensam, mas eu não vivo? Cadê o que cabe? O real.

Querer deveria ter isto: o prazer em si, o prazer enfim. Tão difícil hoje, em que a vida é vivida planejando e preparando o próprio acontecimento. Existe movimento, entretanto. Acredito numa ordem de estático atrelada ao prazer. Este que chamo mais puro e real, o prazer em si, não possibilita passagens, vivências, encontra em si as raízes de seu próprio fim. No que não movimenta. O sofrimento move a procura de remediá-lo, o prazer te estatela em gozá-lo. E fica a morte, é irônico? O sofrimento. A dor e o prazer: uma coisa só toda torta. O irremediável.

Igual a mim e minhas mortes, eu e minhas dúvidas, eu e minha vontade de chegar mais perto de saber saber saber. Será este, prazer? Atuando no eu me repetindo a vida toda entre viver e deprimir e não querer mais, recusar, não fazer parte, querer mais que circular: o não querer tão puro esse meu agorinha neste instante me veio.

Repito, apenas.

V.

De repente surge: e se houver encontrar na sutileza do sentido, cura. Mas e que coisa! Se de repente em não houver de fato sentido, se encontrasse um sentido então. É tudo engraçado, você está no mundo, ele é muito engraçado: besta e pequeno, compreendido, solucionado.

Algo entre Kant e Nietsche, em minha humilde compreensão limitada dentro de um breve sentido pessoal ao que além de mim haja de significado:

É por não saber o todo, é pelo imperativo categórico, o absoluto e por nunca atingi-lo, que o que resta é justamente não tê-lo, é aqui e agora, sem quaisquer moralismos. Só há a consciência total por não se conseguir chegar à verdade em si, ao mundo em si: então é desta impossibilidade a absolutez do mundo de mim.

E se a plenitude de viver fosse o humor negro? Do absurdo que é, topar a brincadeira?

É por isto assim ser sábio, meio criança, mais leve: saber apreender o prazer sem morrer nele, sem findar nisto, sem parar, estatelar, ainda buscando, ainda tendo este movimento característico do sofrimento, o desespero de saída, a busca por algo que atenda à vida plena, felicidade, prazer em si. Será no alcançar o mais além do mal-estar? Será em encontrar enfim o abarcamento do todo? É destituir a neurose obsessiva da categorização de doença, dando-lhe qualquer quê de ciência, verdade, domínio humano, genialidade?

O humor. Mecanismo de vida? Ao menos para o atravessar agostos, no mínimo. Então que meu agosto de julho – faz tempo mesmo que é inverno e outono – se alimente desta ilusão. Rir, ao menos: às vezes cantar. Enfaixar as asas e ficar mais perto do puro. Bonito ainda.

------------------------------------------------------------

Anna P
Enviado por Anna P em 16/06/2006
Reeditado em 03/07/2006
Código do texto: T176382