Crise de despersonalização - a perda do Eu (parte 2)

ASPECTOS MACROSSOCIAIS -

• Sabemos que a tendência coletiva à padronização de gostos e hábitos tem um aspecto natural, que é o do fortalecimento do “ser social” ou “corpo social”. O que se mostra maligna é a coerção à hegemonia, o aspecto alienantemente padronizante. A violenta imposição da padronização é resultado de uma legítima “infecção” no ser social, e o fator infiltrante, por mais paradoxal que seja, nada mais é que a idéia global de separação, de desunidade – o paradigma da decadência planetária.

Adquirimos o hábito, por milenar condicionamento, de considerar os demais indivíduos, seres e coisas como sendo algo distante, diferente ou oposto de nós mesmos, e não com sendo todos um único ser. Na ótica da Teoria Sistêmica, porém, constituímos todos uma única mônada, ramificada numa ilusão de separabilidade, mas geralmente não nos damos conta disso. O fato é admitido pelos mais eminentes filósofos e cientistas da atualidade, e não podemos mais ignorá-lo.

O que aqui se observa é que a própria presença do princípio unificador tenta se impor, de modo natural, mas sendo na seqüência desvirtuada pela ação da percepção oposta. O egoísmo, fruto do paradigma fragmentário, se aproveita do próprio impulso natural – formando uma doentia síntese dialética.

Toda vez que agimos com coerção e violência, estamos claramente agindo como se o “outro” e nós mesmos não fôssemos de fato um único ser. Não agrediríamos a nós mesmos deliberadamente, se o princípio original de unidade houvesse seguido seu curso de modo natural.

O verdadeiro espírito de unidade respeita e preserva a pluralidade das aspirações individuais, toda vez que estas não ameaçarem a harmonia do conjunto. Harmonia não é hegemonia. Unidade não é padronização.

O que nos cabe é tão-somente aproveitar as diferenças para obtermos organicidade. A organicidade que sustenta a unidade harmoniosa do conjunto, sendo princípio ativo e dinâmico, se realiza APENAS pela participação das suas múltiplas e multifárias manifestações internas.

• Ora, onde verificamos a maior ação coercitiva violenta para a massificação da alienação que mantém tão tenaz o fenômeno da crise de despersonalização?

Resposta: no propagandeamento do artificialismo, em ampla escala, mantido pela ideologia do consumismo (para uns, a ordem é “lucrar-lucrar-lucrar” e, para outros, “gastar-gastar-gastar”...), ideologia que toma carona no condicionamento iniciado na 1a infância dos indivíduos: a repressão da espontaneidade. É assim que se fixa o “medo do natural”, que solicita um incremento de proteção do Ego – e as reações são os “escudos” e as “espadas” do Ego.

Não significa, necessariamente, que o medo seja a origem do mal social, como sustentam os “psicólogos do ressentimento” (dou aqui esta alcunha, remetendo à conhecida expressão “filósofos do ressentimento”). Trata-se de uma evidente falta de visão dialética... O que ocorre, como sempre, é um ciclo dialético/taoístico mantido pela contradição, o motor do processo de mudança. O medo é originado pela violência, assim como a violência é originada pelo medo! Em termos simples, é o típico caso do ovo e da galinha... O medo pode ser causa e efeito; e pode acabar por não ser nem um nem outro, em si mesmo – aliás, já diziam os antigos dialéticos que as coisas nada são em si mesmas e que o próprio Ser, em si mesmo, sem poder comparar-se com outro Ser – visto que não o há, em instância monista – equivale ao NADA. Ora, se o Ser confunde-se no Nada – como no Tao! – como poderia ser o “medo” uma “causa”? E como o seria também a violência?

Mesmo que as sínteses possíveis sejam benéficas, ocorrerão inevitavelmente novos conflitos – mas que podem, talvez, ser previstos e superados sem sofrimento. Infelizmente, tende-se a combater algo com a ação radicalmente oposta (como combater a repressão com a liberação ou vice-versa, sem se dar conta que uma causa a outra e também é causada por ela), fazendo a continuidade do “ciclo” ser ainda dolorosa...

Errônea não é a oposição, por sinal, mas a radicalidade. Se a “resposta” perde a medida, obtém-se como síntese uma situação ainda dolorosamente conflitante, já que se evidenciará e amplificará a contradição interna da facção que viera a se impor.

As admoestações de Aristóteles, em essência idênticas às do budismo, vêm bem a calhar: busquemos o justo meio! Equivale a: “todo radicalismo, sendo fruto da alienação, só produz mais alienação”. Sem a visão da dinâmica “ação-reação”, não se obterá sucesso algum. Sucesso aqui significa harmonização, concórdia, conciliação, acordo, diálogo – em suma, humanidade. Só isto eliminaria o medo e o que lhe está relacionado.

Dos medos, o pior é certamente o “medo do natural”. Ele está na origem da busca insana pelo falso, pelo frívolo, pelo doentio, vicioso – o “não-vital”. Portanto, é um medo que conduz à morte, ou, de qualquer forma, ao encurtamento da vida, o que resulta no mesmo... Este medo, que vem a originar todo o consumismo maligno da sociedade atual, é oriundo dos episódios repressores da infância – o fenômeno do “não toque aí”, do “cala a boca”, do “não olha isso” etc. Não se deve reprimir o que é saudavelmente natural, o que é puro, o que é vital. Há de se reprimir, este sim, o sentido da separação, do distanciamento, da fragmentação paradigmática, em suma: tudo que leva ao egoísmo – o senso de que “o outro e eu não somos a mesma coisa” ou então “o cosmo inteiro e eu não somos a mesma coisa”. É isto, e apenas isto, que aqui chamo de NATURAL – divinamente natural.

É evidente que as crianças devem ser conduzidas; é claro que devemos fazer admoestações. Deve-se, porém, cuidar para não reprimirmos o VITAL, o fator de interesse puro e salutar da criança. O VITAL é o belo e o vivificante, o que conduz à unidade orgânica macrossocial e cósmica.

Como já foi dito, é nas reprimendas sem justo discernimento que têm início, não só a crise de despersonalização, como a ideologia artificialista que a embasa.

MEDIDAS A SEREM TOMADAS -

Produção do vital –

Com apoio governamental, principalmente (se esperar pelas empresas, vai ser difícil...). Provar que combater o consumismo artificialista não dá crise na indústria. Consumam o vital: produzir-se-á o vital! (Ideia-chave) De qualquer forma, será um projeto de parceria entre governo e indústria.

Propagandeamento do vital –

Reeducação pública. Promover o fim do “medo do natural”. (Consumam o natural!) – A mídia deverá dar o principal apoio. Parceria entre mídia e indústria.

Pedagogia natural –

Na escola e no lar (apoiados pela mídia pedagógica). Não à pedagogia do mascaramento! Parceria entre sistema educacional e mídia.

Incremento cultural e artístico –

Opções saudáveis de entretenimento. Ampla parceria: o governo como um todo, o sistema educacional (renovado, por sinal), a mídia e a indústria em geral.

IMPORTANTE: lembrar que a mídia também é uma indústria.

OBSERVAÇÃO: Em todos os casos, será a MÍDIA que a tudo interligará. Dela dependerá quase tudo. Sendo que qualquer medida implica no fator informação, nada poderá ser obtido de positivo, em ampla escala, se não houver o apoio geral dos meios de comunicação, para que um projeto de engrandecimento da pessoa humana, como é este, possa chegar a se tornar uma realidade dentro em breve.

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