A tarefa da filosofia?

Wilson Correia*

"É o seguinte o esquema das minhas idéias: 1) a filosofia está essencialmente ligada à crise; por conseguinte, em abertura tensa para o político; 2) o paradigma liberal da convivência pandialógica exclui a 'crise' como categorização capaz de dar uma explicação plenamente racional das condutas humanas, pois supõe uma compreensão metafísica, não-científica, da história como drama. Consequentemente, no que diz respeito aos respectivos princípios, liberalismo e filosofia são incompatíveis; 3) a condição cultural pós-moderna é o cumprimento do liberalismo, a coerente efetivação planetária do processo de secularização e desistorização impulsionado pela modernidade liberal. No espaço público do pós-moderno, a filosofia sofre o mesmo esvaziamento de sentido e a mesma desativação cênica que o teológico-político; em qualquer caso, alguma afinidade subsiste como análise lógica - alheia a qualquer temporalidade dramática - e, sobretudo, como ironia cética, propedêutica à paralisia da ação humana; 4) o que seria uma atitude filosófica no crepúsculo dos 'mass media' dos deuses?" (DOTTI, J. "Sobre los tiempos que corren" - "Sobre nossa época". Ponto de Vista. Buenos Aires, n. 44, nov. 1992, 10-11, p. 8.

Quanto a mim, Wilson, penso que:

1 A filosofia está inextricavelmente associada à faculdade que o humano tem de realizar a experiência de pensamento; criativa e criadoramente, portanto, imersa no vir-a-ser;

2 O liberalismo (clássico e neo) não se fez totalitariamente como quiseram os próprios liberais, exato porque um sistema de idéias, por mais totalitário que seja, jamais conseguirá açambarcar todas as expressões possíveis de vida, e a vida, como sabemos, tem uma força imponderável quando o intento é o de sabotar regimes totalitários; por isso mesmo o liberalismo não pôde neutralizar a história humana no mundo;

3 A condição humana no mundo força a filosofia a não ignorar a vida mesma, a presencialidade da existência, essa que come, dorme, trablha, vadia, faz-se insone e passa fome; o dia que a filosofia ignorar essa concretude vivencial, então ela terá perdido a razão de ser, o que é completamente improvável: enquanto um humano perambular Terra afora, haverá o pensar e haverá a experiência de pensamento, inclusive para desmistificar o pretenso totalitarismo liberal, que, a meu ver, está sendo sepultado sempre e cada vez mais;

4 Deuses sempre existiram e sempre existirão; cabe à filosofia desteizar a ideologia, o mercado, o que quer que seja, e mostrar que a vida, em contínuo e incessante advir, é a força maior; é sobre como preservar a vida, último reduto do humano, aquilo com que a filosofia pode e deve se ocupar, criadora e criativamente, apontando alternativas relativas a modelos societários e a estilos existenciais potencializadores da tarefa de se ter a vida na mão, da incumbência de viver.

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*Wilson Correia é filósofo, psicopedagogo e doutor em Educação pela Unicamp e Adjunto em Filosofia da Educação na Universidade Federal do Tocantins. É autor de ‘TCC não é um bicho-de-sete-cabeças’. Rio de Janeiro: Ciência Moderna: 2009.