A verdade? Que verdade?

Wilson Correia*

Foi por me lembrar de que mentira é o ocultamento da realidade** e uma proeza alcançada por uma lábia que consegue abstrair-se até da inteligência alheia, que uma outra lembrança me veio à mente: um chiste vivido por Tomás de Aquino, aquele santo da Igreja Católica.

Conta a história que ele era um sujeito muito na dele, calado, quieto, pouco falante, no próprio canto. Por ser considerado um quase idiota (indivíduo que não vai além do mundo do eu), chegou mesmo a ser apelidado de Boi Mudo pelos companheiros de escola. Sabe como é, né?... onde tem adolescentes, tem gozação de uns sobre os outros, caricaturas, entre outras coisas – aquele modo de competitividade pela negativa contra o outro e de autoafirmação pela positiva a favor de si. Suspeito que isso tenha motivado a criação daquele apelido para Tomás, coitado, o Boi Mudo.

Certo dia, então, estavam todos em sala de aula quando o professor se ausentou. Uns atiradinhos saíram da sala e, de lá de fora, chamaram Aquino:

– Tomás (Boi Mudo nas entrelinhas, nos olhares, nos trejeitos...), venha ver um boi voando, bem alto no céu, venha ver!

Tomás de Aquino, igual ao marido traído – dizem que foi o último a saber, muito tempo depois, que tivera aquele apelido nos bancos escolares –, levantou-se calmamente e, silente, pôs-se do lado de fora do prédio, levantou a cabeça e começou a procurar no céu o tal boi que estava a voar.

A turma assistindo, prontinha para explodir em gargalhadas, sem dó nem piedade.

Eis que, quando Aquino se deu conta de que tinha caído, outra vez, em mais uma pegadinha de seus “mui amigos”, ele se voltou para os companheiros e disse:

– Prefiro acreditar que um boi possa voar a acreditar que um meu amigo possa ter a coragem de mentir para mim.

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Cá com meus botões, penso mesmo que a verdade é fruto de uma concepção e de uma prática éticas. A mentira, também. Só que a mentira, por incrível que pareça, não consegue extinguir a verdade - o que é intrigante. Em última instância, é a verdade a senhora caprichosa que tem a primazia na realidade e, principalmente, na subjetividade do mentiroso. Nada como a verdade para libertar e arejar mentes e corações.

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*Wilson Correia é filósofo, psicopedagogo e doutor em Educação pela Unicamp e Adjunto em Filosofia da Educação na Universidade Federal do Tocantins. É autor de ‘TCC não é um bicho-de-sete-cabeças’. Rio de Janeiro: Ciência Moderna: 2009.

** De maneira mais técnica, a mentira pode ser entendida como negação da informação a quem tem direito de acesso a ela, informação. Aqui, até onde a liberdade da prosa me possibilita, entendo como ocultamento (ou distorção, como sugere a Iaci, que é outra forma de ocultamento) da realidade. Obrigado Iaci, pela contribuição.