A vida é luz e sombra?

O autoconhecimento é difícil, mas é impossível?

Wilson Correia*

A vida pode ser entendida como o resultado da associação entre luz e sombra, metáforas que expressam as facilidades e os entraves naturais da existência. Aí, então, o combate, a luta e o embate contínuos entre a claridade e o breu, o entendimento e a ignorância, o acerto e o desvio do alvo cujo acerto nos potencializaria o crescimento, o êxito, a plenitude e a auto-realização.

Essa idéia de combate como produtor de coisas, seres, relações e fenômenos já estava lá na gênese de nossa cultura ocidental. Por exemplo, Heráclito**, filósofo grego dos séculos VI-V a.C. afirmou: "O combate é de todas as coisas pai, de todas rei..." (fragmento 53). Desse modo, "A doença torna agradável a saúde; a fome, a saciedade; a fadiga, o repouso" (fragmento 111);

No que diz respeito à luz e à sombra, metáforas aqui trazidas para aludir a qualidades e a dificuldades ôntico-humanas, esse combate de opostos parece ser uma constante na vida da gente. É como se, naturalmente, aquele que porta uma luz maior tivesse inerente à própria iluminação aqueles fardos mais pesados para carregar. Quem recebe mais luz é contemplado, igualmente, com maiores empecilhos a superar.

Bem! Isso pode ser uma mera suposição. No entanto, a vida está aí e pode ser observada. Entre nós há aqueles que não fazem, não realizam e não empreendem e, como que a exigir um emparelhamento pela mediocridade, esforçam-se para impedir que os outros façam, realizem e empreendam. Daí que a vida torna-se, continuamente, campo para o autoconhecimento.

Da frequência e aproveitamento que possamos ter nesse e desse curso natural da existência passa a depender nosso equilíbrio e autodeterminação ao longo de nossos dias. Do equilíbrio vem nossa força maior, que é a de saber a diferença entre o que nos é possível e aquilo que temos que deixar de lado, entre pigmeísmo e nobreza de espírito, amor e egotismo, vida e destruição, sapiência e ignorância, inteireza e mediocridade.

Que a observação e a análise da combatitividade entre luz e sombra possa ser para nós um percurso de autoconhecimento, esse que nos alerta como, quando, porque, para que, com quem e por quem devemos fazer o que fazemos ou abrir mão daquilo que não nos convém. O autoconhecimento pleno é duro, mas não impossível. O melhor que nos cabe é intentá-lo sempre e cada vez mais.

**HERÁCLITO. ‘Fragmentos e Doxografia’. In: “Os pré-socráticos”. 3. ed. Trad. W. Regis & J. C. de Souza. São Paulo: Abril Cultural, 1985. (Col. Os Pensadores).

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*Wilson Correia é filósofo, psicopedagogo e doutor em Educação pela Unicamp e Adjunto em Filosofia da Educação na Universidade Federal do Tocantins. É autor de ‘TCC não é um bicho-de-sete-cabeças’. Rio de Janeiro: Ciência Moderna: 2009.