Qual é o papel do(a) professor(a)?

Wilson Correia*

“[A crise da Pedagogia pode ser entendida com base em três pressupostos]. O ‘primeiro’ é o de que existe um mundo da criança e uma sociedade formada entre crianças autônomas e que se deve, na medida do possível, permitir que elas governem. [Isso] gera uma situação em que o adulto se acha impotente ante a criança individual e sem contato com ela. Ele apenas pode dizer-lhe que faça aquilo que lhe agrada e depois evitar que o pior aconteça...

O ‘segundo’... tem a ver com o ensino. Sob a influência da Psicologia moderna e dos princípios do Pragmatismo, a Pedagogia transformou-se em uma ciência do ensino em geral, a ponto de se emancipar inteiramente da meteria efetiva a ser ensinada...

[O ‘terceiro’ pressuposto, defendido pelo Pragmatismo,] é o de que só é possível conhecer e compreender aquilo que nós mesmos fazemos, e sua aplicação à educação é tão primária quanto óbvia: consiste em substituir, na medida do possível, o aprendizado pelo fazer” (ARENDT, 1997, p. 229-232).

Pois ocorreu de a professora Dalva viver às turras com um certo conceito de construtivismo, rasteiro demais para estar presente na escola em que atuava. Em geral, ele também se fazia presente na fala dos profissionais da educação. Por isso, para alavancar o constraconstrutivismo, Dalva argumentava:

– A pedagogia tradicional era baseada no docente: o professor ocupava o centro do processo de ensino e aprendizagem. O professor tinha o monopólio do conhecimento verdadeiro. A comunicação era unidimensional: apenas o mestre podia dirigir-se ao aprendiz, levando-o a acreditar que conhecimento é uma verdade fixa, segura e eterna. Ao escolar cabia ouvir, memorizar e depois devolver tudo o que havia retido nas provas ou exames orais. As obras clássicas eram entendidas como se fossem livros sagrados, as quais fundamentavam argumentos de autoridade, e não argumentos da razão. Por conta disso é que se diz que a educação tradicional era intelectualizada, livresca e voltada para um conceito enciclopédico de cultura. A dinamicidade do mundo simbólico não se fazia presente no interior da escola.

– Deveria ser um saco, hein, professora! – disse Thiago, desacreditando o tradicionalismo pedagógico.

– E era – assentiu Dalva – mas... percebe? As coisas são meio malucas. Desse extremo do ‘profecentrismo’ nós pulamos para o ‘alunocentrismo’. Levamos o estudante para o lugar daquele antigo professor, para o centro do processo. Aí passou a valer a criança e o adolescente, seus interesses, desejos, quereres, vontades e aptidões. Passamos a aceitar que há um mundo infantil, com regras e normas bem definidas. Daí falarmos em formar para a cidadania, para a autonomia e emancipação já no ensino fundamental, pressupondo os infantes como cidadãos autônomos e emancipados em miniatura. Será que não estamos extrapolando? Será que não estamos jogando muito pesado com as crianças e com os adolescentes?

– É para se pensar... – disse Karla, mostrando entender o raciocínio de Dalva.

– Imagine isso dentro de uma escola – prosseguiu a ensinante – em que a relação pedagógica perde o centro do processo; em que as trocas entre professor e aprendiz ficam em segundo plano? Se deixadas à própria sorte, como as crianças encontrarão referenciais de vida, existência e ética? Não seria na interação corresponsável entre adultos e novatos que essas coisas poderiam ser socializadas, aprendidas de fato? Se acreditarmos que a criança pode ser dona do próprio nariz, como podemos cobrar que cada estudante também se responsabilize pelo coletivo, pelo mundo do nosso, do bem comum? Centrada na aptidão, no desejo e na vontade da criança e do adolescente essa pedagogia que dizem construtivista não estaria a potencializar o egotismo e o individualismo de nossas sociedades competitivas, consumistas e em que o ‘eu’ é o irradiador dos parâmetros de ação? Pensem, caros alunos... é para pensar! Onde foi parar o valor da relação pedagógica, elemento essencial quando se fala do papel do professor e da professora? Para onde mandamos o sentido da convivência entre quem ensina e quem se dispõe a aprender?

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*Wilson Correia é filósofo, psicopedagogo e doutor em Educação pela Unicamp e Adjunto em Filosofia da Educação na Universidade Federal do Tocantins. É autor de ‘TCC não é um bicho-de-sete-cabeças’. Rio de Janeiro: Ciência Moderna: 2009.

ARENDT, H. ‘Entre o passado e o futuro’. Trad. M. de Almeida. São Paulo: Perspectiva, 1997.