Qual é o papel do intelectual?

Wilson Correia*

Qual é o papel do intelectual em nossa sociedade? Calar-se? Pronunciar-se? Orientar a sociedade? Ler o tempo e a história vividos, vulgarizando achados filosóficos e científicos para elevar o grau de consciência existencial do povo? Desenvolver uma atividade desinteressada, a-histórica, a-temporal, a-interessada? Buscar a verdade pura de que a razão pura seria capaz? Testemunhar o tempo e o espaço vividos pela sociedade de que é parte?

Segundo Johnson (1990, p. 11), “Não há dúvidas de que desde suas primeiras encarnações como padres, escribas ou profetas, os intelectuais exigiram para si a tarefa de orientar a sociedade”, porém, nessa condição, “eles não eram, nem podiam ser, espíritos livres ou aventureiros do pensamento”.

De outra parte, segundo Thibaudet (apud WINOCK, 2000, p. 256): “O sábio é um homem do deserto, que se alimenta de gafanhotos e de mel selvagem e anuncia: Desgraça! Para as cidades e os Estados”.

Não creio no primeiro, nem no segundo extremo. Orientar a sociedade é algo grandioso demais para o intelectual: seria a sociedade essa desorientada que dependeria de um intelectual para se orientar no tempo e no espaço? De outro modo, também não creio no segundo extremo: seria o intelectual o ser a-social, o asceta apartado do grupo humano para de lá, de sua torre de marfim, poder iluminar as cidades e os Estados?

Talvez ao intelectual caiba algo menor: a tarefa de testemunhar o tempo vivido e publicar seu testemunho para todos e para ninguém. À sociedade, à cidade e ao Estado cabe ler, ou não, esse testemunho, empregando-o conforme entendam ser aproveitável, ou não. Não creio que um intelectual possa falar desde o lugar daquele que se sente o portador da verdade única à qual o restante do mundo teria de se submeter. Ao contrário disso, creio, o intelectual participa da construção de verdades, sempre provisórias, precárias e capazes de serem refeitas, sempre!

Testemunhar todo esse processo parece-me algo à altura da tarefa do intelectual. O que foge disso parece-me megalomania cognitiva ou arroubo de uma santidade que o intelectual nunca desfrutou e nem poderá desfrutar: igual a todo homem no aspecto antropológico, diferente de todos na dimensão epistêmica, o intelectual é humano, portanto passível às influências e às injunções espaciais e temporais da história que vive, essa de que ele pode ser uma testemunha.

E se assim chegar a ser, a sua tarefa estará bem realizada. Não preciso ser orientado porque sei o norte que quero seguir, como, de igual modo, não quero orientar quem quer que seja - quem não sabe o rumo do Oriente? Também não quero receber diretrizes existenciais de seres iluminados, como a mim não me cabe iluminar o caminho de ninguém - acaso posso ser visto com alguma lanterna acesa em minhas mãos? A liberdade saudável consiste em cada um ser senhor de si, daquilo que é e pode vir-a-ser.

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*Wilson Correia é filósofo, psicopedagogo e doutor em Educação pela Unicamp e Adjunto em Filosofia da Educação na Universidade Federal do Tocantins. É autor de ‘TCC não é um bicho-de-sete-cabeças’. Rio de Janeiro: Ciência Moderna: 2009. Endereço eletrônico: wilfc2002@yahoo.com.br

Referências:

JOHSON, P. “Os intelectuais”. Rio de Janeiro: Imago, 1990.

WINOCK, M. “O século dos intelectuais”. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2000.