A religião pode ditar quando Estado deve funcionar?

Wilson Correia*

A liberdade de pensamento e expressão foi uma grande conquista da humanidade. Ela nos diz que ninguém pode matar por conta de diferenças relativas ao pensamento, à crença e ao que se professa em termos religiosos, filosóficos e políticos.

Nesse contexto, a separação entre Estado moderno e Igreja também foi outra conquista. O Estado não pode ser teísta ou ateísta, essas formas contrárias de religião bastante presentes entre nós.

Leio agora na grande imprensa que a justiça mandoou o MEC alterar a data de realização do ENEM por conta de um grupo religioso que não entra em atividades, quaisquer que sejam, nos dias de sábado.

Eu me perguntei se isso afeta a liberdade de crença e o princípio da laicidade do Estado. Fui, então, ver o que a Constituição da República Federativa do Brasil tem a dizer. Está lá:

Artigo 5º, Inciso VI: "É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção dos locais de culto e suas liturgias."

Artigo 5º, Inciso VIII: "Ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei."

No frigir dos ovos, está assegurada em nossa Constituição a liberdade de consciência, de crença e de culto, mas está assegurado, também, o princípio da isonomia: é proibido recorrer a argumentos de fulcro religioso para se safar de obrigações legais a todos imposta.

Já imaginou se cada religião determinar cada uma um dia da semana como o da contemplação e vier a pedir ao Estado que mude seus afazeres por conta dessa multiplicidade de dias reservados para o descanso religioso?

Se a vontade das instituições religiosas (instâncias de poder) for satisfeita, uma a uma, além de voltarmos no tempo, a religião não estaria se sobrepondo ao Estado e ao seu princípio de laicidade?

Do ponto de vista administrativo, se cada religião tiver o privilégio de dizer quando o Estado deve funcionar, visando a atender aos seus próprios interesses religiosos, isso não acarretaria o completo colapso da máquina estatal, garantida (no nosso caso) à custa do suor de todos os cidadãos brasileiros?

Essas são questões para pensar.

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*Wilson Correia é filósofo, psicopedagogo e doutor em Educação pela Unicamp e Adjunto em Filosofia da Educação na Universidade Federal do Tocantins. É autor de ‘TCC não é um bicho-de-sete-cabeças’. Rio de Janeiro: Ciência Moderna: 2009. Endereço eletrônico: wilfc2002@yahoo.com.br