QUEM TRABALHA PERDE TEMPO

Li de um grande autor que o sofrimento não é um mal em si, mas sim a INTERPRETAÇÃO que fazemos do nosso sofrimento é que determinará se sofreremos muito ou pouco.

O sofrimento é algo inerente à condição humana. Todo homem ou mulher, por mais ou menos afortunados que sejam, experimentarão o seu quinhão de sofrimento.

Contudo, sofrerá menos aquele que interpretar o sofrimento não como injusto ou imerecido, mas como parte essencial da vida, impossível de se desvencilhar.

O sofrimento deverá ser vivido da maneira mais superficial possível, não precisamos nos envolver com ele nem alimentá-lo com os venenos da culpa, do remorso, do arrependimento, não devemos insistir em sempre tocar na mesma tecla repisando as situações aflitivas que não cansam de martelar em nossas cabeças.

Em primeiríssimo lugar está nossa inocência frente às contingências de um mundo que não nos perguntou se queríamos dele fazer parte, se queríamos nos juntar à sua insânia aterradora.

Agora estamos aqui, somos causa, consequência e destino. Viver é causar impacto sempre. Mas não nos culpamos pelo impacto causado nem culpamos a ninguém.

A vida é o que é, o mundo é este que a nós se apresenta, faremos dele a melhor interpretação, sob a melhor perspectiva. Sempre do ponto de vista que nos cause menos dor. Não há fim, não há ideal, há apenas a necessidade.

Existem lugares e situações que tornam nossa vida pequena, roubam a alta qualidade que a vida poderia ter, espaços temporais que fazem parte do pior da vida, da parte menor, pequena, da parte em que deixamos de ser o que somos para ser alguma coisa que apenas se assemelha, de forma longínqua, ao que uma vida humana poderia ser.

Mas também, nesse mesmo tempo, ergue-se alguém que acolhe o seu sofrimento e passa por cima dele.

Quando deixa de sofrer sacode as sandálias, desvencilha-se do fardo e dá outra direção a seus pensamentos. Sua cabeça está leve, não há peso, não há remoer de consciência, mas há busca pelo ultrapassar a condição sofredora e tornar-se o que realmente se é.

O sofrimento ficou lá, passou por ele como a água que passa pelo corpo no banho, fez seu trabalho de maltratar mas logo foi ao ralo.

Dito isso, em meu trabalho há uma mulher que assusta a qualquer pessoa que fosse capaz de enfrentar o seu olhar.

Tamanha a morbidez e maldade que ela transmite. Parece uma coisa mágica, como se fosse feito de ondas magnéticas de alta frequência, o olhar da mulher intimida, parece convidar para uma briga.

A impressão que se tem é a de que ela irá mesmo fazer um feitiço tão poderoso que poderá levar alguém imediatamente para o inferno, como se fosse abduzido ou arrebatado.

Eu tenho um sentimento ruim quanto a ela. Ela parece flutuar pelas sessões dos nossos cubículos infernais, nossos habitáculos e galerias muito quentes no verão ou muito geladas no inverno, como se fosse um querubim demoníaco a fazer a sua ronda a mando de satanás.

É somente ela entrar na repartição e todos já começam a ficar tensos. O que será que ela veio verificar? Está tudo certo? Perguntamos uns aos outros.

Sim, a analogia é perfeita. Confinados em habitáculos minúsculos com pilhas de papel para dar conta, com dezenas de e-mails para responder, entre 7 e 8 aparelhos de telefone tocando ao mesmo tempo, um barulho que parece um murmurinho, mas que pelo volume elevado, atinge níveis enlouquecedores, o calor insuportável fazendo a todos suar sem descanso, imaginei que a eternidade ao lado do diabo talvez fosse menos insalubre.

Penso nos funcionários como seres que haviam morrido e estavam ali já na eternidade sofrendo os castigos de que fala o livro sagrado dos cristãos. Somente os mais robustos e psicologicamente fortes para aguentar aquele IMENSO fardo, aquela imensa tensão pressionadora.

Os mais sensíveis e fracos logo se desesperam e pedem para sair dali. Outra vez me remeto à bíblia, ali há choro e ranger de dentes.

Porém mesmo os mais fortes, em determinadas ocasiões, têm vontade de correr dali para nunca mais retornar. O meu local de trabalho é mesmo a antítese de tudo que for saudável, humano e razoável.

E ainda possui as criaturas infernais com seus chicotes psicológicos, seus olhares de reprimenda sempre a nos espreitar, até mesmo seus gestos e jeito de andar, de chegar e de falar possuem todo um código despótico.

Será preciso uma saúde incrível para ultrapassar essa temporada de trevas. Será necessária uma força psicológica nunca antes utilizada, um tratamento emocional primoroso com uma autoconversa lúcida e paciente para transpassar uma fase glacial de minha vida.

Tenho plena consciência que de que ali está a parte mais pobre de minha vida, mais apequenadora e inútil. Trabalhar é perder tempo, tempo precioso. Um mal necessário pago a preço de ouro: o nosso pouco tempo de vida.

Frederico Guilherme
Enviado por Frederico Guilherme em 27/01/2010
Reeditado em 27/01/2010
Código do texto: T2054913
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