MALHANDO O JUDAS

 
A história de Judas sempre me pareceu incompleta. Talvez minha fé não alcance os mistérios que envolvem este episódio da história cristã.  Tentando encontras algumas respostas descobri que para o Gnosticismo* Caim e Judas eram modelos de gnósticos. Ambos representavam o lado mal do deus criador. Ao matarem Abel e Jesus, respectivamente, eles possibilitaram a vitória do bem sobre o mal.

Para eles, Judas, ao trair Jesus ou aceitar o pedido de traição, teria cumprido o seu papel na história cristã, o de revelar o conhecimento que salva. Assim, a traição de Judas estaria em função de Jesus, de sua libertação, pois ele teve a capacidade de conhecer a verdade sobre o mistério da salvação trazida por Jesus. E foi por isso que ele consumou o mistério da traição.

Nos fragmentos do Evangelho de Judas tem uma passagem onde Jesus teria dito a Judas: você deve “sacrificar o homem que me reveste”. E justifica seu pedido dizendo que ele está bem preparado, sua ira tinha sido aplacada, a sua estrela já estava brilhando o suficiente.

Para os gnósticos, cada ser humano está revestido de um “homem” que dever ser libertado, de modo que possamos voltar às raízes de onde viemos. Jesus estaria aprisionado a um corpo. Judas teria que cumprir a missão sublime de libertá-lo, de modo que a centelha divina presente em Jesus pudesse brilhar e, assim, ele voltar ao Plemora (realidade superior).


Ter acesso a estas informações não dirimiu minhas dúvidas. As velhas perguntas permanecem: Por que os evangelhos canônicos apresentam apenas Judas como traidor? Por que Pedro, que também, mentiu foi perdoado? Por que, se Jesus precisava ser traído,  seu delator foi condenado?

Novas perguntas somam-se as velhas: existe, realmente, o Evangelho de Judas? Por que ele não faz parte dos livros sagrados? Por que Judas tem que carregar, sozinho, uma culpa tão pesada? É possível que o mesmo Jesus que pregou o amor, o perdão e a libertação do ser humano de toda e qualquer opressão tenha pedido para ser traído e condenado um homem a carrregar, para todo sempre, o peso dessa traição? São muitas as perguntas e cada provável resposta suscita uma nova uma nova dúvida.

Mesmo que não exista outra versão para história de Judas, continuar queimando/malhando o Judas  não seria usar da violência que Cristo condenou e veio combater?

Eu acredito que todos nós trazemos uma centelha da chama divina, mas, em contrapartida, existem os recantos obscuros de nossa existência. Será que ao condenarmos Judas não estamos tentando matar, em nós, os pecados que nos distanciam dos ensinamentos de Jesus? Jogar toda responsabilidade em Judas não seria uma forma de nos redimir diante de nossos medos, incertezas?  
 
A única certeza (?) que tenho é que violência gera violência. Nunca achei natural a matança/malhação do Judas. Acho grotesco. Desnecessário. No mínimo estamos sendo incoerentes com as lições deixadas pelo maior Mestre que a humanidade já teve. N’Ele eu acredito, tenho fé e o que não entendo aceito como mistérios de uma vida que foi e sempre será maior a própria existência. 

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                                                  Judas, o traidor,

                                                  Jesus, o Salvador,

                                                  Para se cumprir a missão,

                                                  Um do outro precisou?!

 

                                                  A vítima ensinou o perdão,

                                                  O algoz, a dissimulação,

                                                  E nós, aprendemos qual lição?

 


 
Este texto faz parte do Exercício Criativo - Judas.
Saiba mais, conheça os outros textos http://encantodasletras.50webs.com/judas.htm
 


N. A:


1. * Gnosticismo designa o movimento que originou-se provavelmente na Ásia menor, e tem como base as filosofias pagãs, que floresciam naBabilônia, Egito, Síria e Grécia. Em seu sentido mais abrangente, o Gnosticismo significa "a crença na Salvação pelo Conhecimento" (Joan O'Grady).
A posse da Gnosis significa a habilidade para receber e compreender a revelação. O verdadeiro Gnóstico é aquele que conhece a revelação interior ou oculta desvelada e que também compreende a revelação exterior ou pública velada. A entrada na senda da Gnosis é chamada 'voltar para casa'. Como vimos, é um retorno, um virar as costas ao mundo, um arrependimento de toda natureza: "Devemos nos voltar para o velho, velho caminho".
Os gnósticos ensinavam que cada pessoa podia atingir a salvação através da harmonia e da busca interior. Não eram necessárias as instituições e suas práticas ritualísticas para atingir a salvação. Como conseqüência dessa visão, a salvação tinha um caráter mais pessoal que coletivo. Não importaria tanto a visão messiânica e revolucionária que o cristianismo defendia. E é nesse contexto de libertação espiritual que podemos compreender a negação do corpo. Os docetas e encratistas, grupos originários dos gnósticos, ensinavam, respectivamente, que a encarnação de Jesus era só aparente e que a abstinência sexual, a virgindade era um caminho seguro de salvação. O sofrimento de Jesus na cruz, não poderia, segundo os gnósticos, salvar àqueles que aderissem à Igreja de Cristo. Por esse e outros motivos, a Igreja lutou ferrenhamente contra os gnósticos, relegando-os à heresia. Com isso, o que era bom e ruim do gnosticismo foi condenado ao ostracismo.
 
2. Fontes:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Gnosticismo,           
http://www.abiblia.org/artigosview.asp?id=94

 
 
 
 



 
Ângela M Rodrigues O P Gurgel
Enviado por Ângela M Rodrigues O P Gurgel em 01/04/2010
Reeditado em 27/09/2020
Código do texto: T2171009
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