Humanidades

Viver em sociedade é engraçado: respondemos as mesmas perguntas sempre com as mesmas respostas, nos surpreendemos com situações triviais, nos enfurecemos já prevendo que iremos nos enfurecer, apresentamos o mesmo padrão de comportamento quando estamos com sono, quando alegres, quando tristes, quando bocejamos ao ver outrem bocejar, fingimos estar ocupados para não demonstrar que estamos distraídos, em resumo, em todas as formas comportamentais do cotidiano. Isso sem considerar as verdadeiras mentiras benéficas que contamos para escapar de situações que julgamos insólitas ou inconvenientes para confabular junto a outrem inconsequente, sob nosso ponto de vista umbiguista. Poderíamos resumir toda essa maçaroca estruturalmente desprovida de criatividade em uma só palavra: previsibilidade.

Criamos superproduções cinematográficas a fim de representar nossas grandes invenções inúteis, nossas grandes conquistas desinteressantes, nossos intrínsecos defeitos nunca assumidos, escrevemos livros e fazemos músicas para esbanjar nossa sagaz intelectualidade (sim, aquela mesma que nos torna tão mais importantes que nossos hermanos animais cordados, artrópodes, platelmintos e assim por diante) e que, no entanto, consiste numa repetição em diferentes sentenças e tons. Cultuamos nossa própria imagem, nos desfazemos em berros e emoções transviadas quando cruzamos com ícones humanos pelas ruas (ou então quando ficamos acampados às portas de hotéis e aeroportos para vermos um humano superior brevemente a caminhar em busca da auto-afirmação calcada em manter um patrimônio milionário-superficial), queremos parecer diferentes para encobrir quem na verdade somos e, dessa forma, parecemos todos estupidamente iguais (não fosse isso, ainda assim pareceríamos iguais, entretanto não estupidamente, mas sim naturalmente).

Viver em sociedade é engraçado: costumamos escrever sobre a sociedade como se não fizéssemos parte dela, como se estivéssemos observando-a através da janela de um avião monomotor, sobrevoando vagarosamente sobre o relevo inconstante no qual nos distribuímos enquanto espécie terrena. Quanta presunção criticar algo se utilizando das mesmíssimas ferramentas as quais se está a criticar. Ironia ou previsibilidade? Não importa, são sinônimos de humanidades.