Evidente

Desafiaram-me a escrever alguma coisa; a minha primeira ideia foi "o que?". Encontrei-me realmente sem saber o que poderia eu escrever, especialmente numa etapa "sem inspiração" da minha vida, em que me limito a mecanicamente ir adiante e pôr em prática os preceitos que me são cobrados e esperados (e que eu mesma espero de mim). Deambulei ainda pela minha mente, tentado deixar-me levar pela onda de canseira e estabelecer os limites do meu assunto a falar mal da minha existência. Entretanto, hoje parece-me adequado afastar-me de lamentos e tentar alguma coisa de benéfico. Porque não analisar e comentar sobre os defeitos do ser humano? Terá possibilidade de soar a lamentação, sim, mas é mesmo uma crítica pelo intento de analisar. Já terão, de modo indubitável, reparado como o indivíduo que está ao vosso lado sempre está, de modo absoluto, convencido de duas coisas: que faz tudo o que pode para auxiliar os seus (colegas, namorados... enfim, por quem seja que sustente algum sentimento de carinho) mesmo em seu próprio prejuízo e que os seus problemas são mais/mais danosos/mais confusos que os problemas dos outros. Certamente que contra mim falo, da mesma forma, porque apesar de me empenhar por ser racional e objetiva, sou falha pela mesma subjetividade que afeta o bom-senso de todas as pessoas. Salvo (felizmente) poucos fatos (em que verdadeiramente a pessoa tem motivo), o que nos leva a estar tão convencidos que somos tão mais infelizes que os outros? Já houve instantes em que simplesmente responsabilizei ao inerente subjetivismo (afinal cada qual vê e experimenta o universo pelos seus próprios sentidos e é impossível que todos tenhamos as mesmas sensações sobre as mesmas coisas) e ao egoísmo de cada um que os impedia de olhar o universo além das suas limitações individuais. Era uma avaliação egoísta e individual e que terminava por tingir tudo e todos de uma tonalidade cinza e que não desperta interesse. Atualmente acredito que devo substituir o egocentrismo por inquietação. Afinal não é simples admitir que, se calhar, a dor mortal que experimentamos não passa de alguma coisa só nossa e que face ao mundo possa ser algo tão leve que quiçá se solucione com um tratamento ligeiro. Não é igualmente fácil aceitar e acreditar que alguém tenha possibilidade de verdadeiramente compreender a nossa dor, principalmente se essa pessoa não sentir e derramar lágrimas como nós. Se assim fosse, afinal porque todo a dor e sofrimento? Seria por demais frustrante se, de ímpeto, passássemos a ver que não estávamos a morrer e que poderíamos ter resolvido ou ao menos ter possuído um abraço amigo a que pedir. Como disse de início, contra mim falo, porque também permaneço convencida de que as minhas inseguranças, problemas e fantasmas do ontem são muito fortes, medonhos e que apenas a mim causam medo. Mas, ao menos procuro a cada momento tornar relativo, raciocinar que há algo pior, que no meio do meu infortúnio possuo algumas graças e agarrar-me com unhas e dentes a esses pensamentos. Não é perfeito, mas pelo menos vou tendo limites auto-impostos que procuram não permitir extravasar o meu subjetivismo de forma a fazer sombra aos assuntos de quem me cerca e assim espero ser capaz de entender. Mas, como tudo mais, este esforço não é desprovido de valor, pois termino por ser julgada. Sou adjetivada de sem sentimentos, racional (no sentido ruim, de não ter sensibilidade) e de ter uma perspectiva de vida tranquila demais, como se fosse ainda uma adolescente desprovida de responsabilidades. Às vezes não me importaria que assim fosse, pelo menos teria a reputação e a utilidade. Mas, no fundo a minha crítica é à circunstância de estarmos todos cada vez mais recolhidos pelo nosso próprio umbigo, seja nas relações a dois ou mesmo na vida coletiva. Realmente os seres humanos ajudam ONGs humanitárias, executam trabalho voluntário… mas, o que realmente conta, que é no dia-a-dia, em uma determinada ação recíproca… nessas esquecemo-nos de olhar os outros e por vezes (infelizmente várias vezes com propósito) atropelamos quem podemos, pois o que interessa é resolver o que é nosso e os outros, afinal de contas, não têm problemas, ou ao menos não tão trágicos. É evidente!

Tatiane Gorska
Enviado por Tatiane Gorska em 30/08/2010
Código do texto: T2468988
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