Eu inteiro: entre furtos e doações

A pior sensação do mundo talvez seja àquela não qual você sente-se lesado.

O que intensifica a negativa sensação é o fato de que aquilo que estão levando embora é você mesmo. Isso aí. É horrível você sentir que não tem mais você mesmo.

Esse mundo pirado do trabalho, do mercado, o imperativo do sucesso, de vez em sempre comete esse crime contra nós.

Eu só queria parar de oferecer um pouco de mim para o mundo, por alguns instantes, a fim de que pudesse me reabastecer para continuar me doando. Nem isso posso mais! Quando percebo, estou me aniquilando, esmurrando meus limites de maneira irresponsável, me desdobrando em mil quando não consigo ser nenhum, nada, ninguém... Aí vou ao fundo do poço. Entristeço-me, choro, mesmo sem poder, mesmo sem ter por parte do mundo esse direito. Dou-me, por conta e risco, tal direito e fujo, por algumas horas. No momento me interessa só, urgentemente, por a cabeça pra fora de mar revolto e respirar e assim, voltar ao afogamento contínuo de minha rotina. Mais uma vez!

Não dá tempo de nada! Nem de lamentar! Quando me vejo, como se estivesse a olhar no espelho existencial, me deparo comigo mesmo a fazer um café na madrugada, retirando o pó aos poucos, sentindo o aroma que nos lembra a vaga e esquecida sensação de conforto. Iludo-me em uma xícara de café, achando que ela me confortará, quando, no máximo, me despertará um tanto mais, para continuar no processo de afogamento e esmagamento . Do café mesmo, só extraio agora a cafeína. O conforto? Já era!

Assim vou vivendo ou somente existindo e assumindo a tortura desses dias violentos, nos quais sou retirado do meu lócus fundamental: O meu próprio EU. E repartido pelo mundo afora, espedaçado em tantos mil, apegado na esperança de ter um tempo, em que ao juntar os pedaços repartidos, possa eu sentir a inteireza de ser pessoa e voltar a me doar com significado para o mesmo mundo que a pouco me extorquiu.

De tudo me resta uma pergunta: Se sou capaz de me doar a este mundo, porque ele insiste em me levar embora à força, ao ponto de eu não ser mais capaz de nada?

MARCELO LIZARDO
Enviado por MARCELO LIZARDO em 29/09/2010
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