Permissão pra viver
Já faz um tempo que você me perguntou:
_ Eu te sufoco?
A pergunta veio como paulada na cabeça. Olhei cinicamente e apenas indaguei:
_ Qual o motivo da pergunta?
Você não respondeu e eu não toquei mais no assunto.
Confesso que a vontade naquele momento (e que ainda existe) era de dizer:
_ Sim, você me sufoca, você me consome, você me deprime.
São trinta e um anos de convivência tentando, aos trancos e barrancos, ser a filha perfeita, coisa que é lógico, estou longe de ser.
Requisitos básicos para ser uma filha perfeita:
É preciso
- ser católica;
- ser submissa;
- ser uma exímia dona de casa;
- não ter opinião própria e concordar com tudo;
- nunca responder, mesmo quando ofensas lhe são proferidas;
- aceitar o namorado que lhe oferecem;
- melhor: não namorar. Ser freira seria a melhor opção;
- ser virgem, mesmo se não se casar até os 50 anos de idade;
- sorrir sempre : não há motivos pra ficar triste. Sua vida é perfeita;
- aceitar que todas as ofensas são da boca pra fora, mesmo que elas aniquilem sua auto-estima;
- dar satisfação de onde vai, com quem vai, que horas volta e todos os detalhes que lhe forem solicitados;
- não viajar, a não ser se for com a família;
- não ter amigos – afinal, amigos pra que? Basta a família;
- falar de todos os seus problemas e deixar que cuidem de sua vida pra você...
Esses são os requisitos básicos que me lembro, até o momento, deixando bem claro que todos devem estar presentes. Na falta de um, não haverá filha perfeita.
Isso tudo me cansa ... me cansa ao ponto de indagar a mim mesma: será necessário, também, pedir permissão pra viver?