Os espectros de um solitário

* Não são amigos. São seres opacos que não consigo conversar nem tocar. Seres que aparecem de vez em quando, esbranquiçados e leves, não me apresentam nada de concreto.

* Não são amores. São frutos da minha imaginação que retiram qualquer bem-estar. Me assustam, me atormentam. Sugam a energia mental. Aparecem em pesadelos, turvam a vista e me tornam louco. São tão esquivos, se dissipam diante dos olhos. Desaparecem sem deixar rastro. Não sei para onde vão, só sei que voltam sempre sem ser convidados. Voltam com novas assombrações.

* Não são familiares. São figuras com as quais tenho que conviver. Presenças com as quais nada tenho em comum. Nem a mente nem a pele, tudo se dista. Não há diálogo. As línguas são diferentes e a comunicação é escassa. Tentamos gestos, mas nosso raciocínio também se difere.

* O que são todos vocês? Em que relacionamento fugaz fui me envolver? Como podem todos escaparem de minha vista? Nunca ligam, nunca interrogam, nunca se importam. Gozam de minha falta de leveza, de minha extrema preocupação. Zombam de mim e ainda assim eu pareço ansiar por eles. Tratam-me mal, com descaso, parecem me julgar inferior com aqueles olhos sem fundos e sem cor.

* Eu poderia fechar os meus próprios olhos. Ah claro! Poderia negar a visão de encará-los. Mas como sou fraco. Como me admiro com estes estranhos que me rodeiam. Porém, não é a simples fraqueza, há toda uma anestesia. Sou entorpecido, é impossível me desligar...

* Transitam nos cômodos. Eu vim aqui justamente para me esconder, para aprender com a privação das pessoas. As pessoas são longas e consistentes, eles são efêmeros e desmancham com um sopro. Irreais como a vida, vazios como o pó. É a solidão que me faz fantasiar. Custa-me relatar, custa-me admitir...

* Confessar que não são amigos. Não são amores e nem familiares. São fantasmas que me assombram, que me fogem, que não me deixam esquecer como sou sozinho.