O AMOR QUE JAMAIS EXPERIMENTAMOS

Tenho questionado intimamente o amor proclamado e praticado nos últimos tempos, especialmente declarado por pais e mães aos seus filhos, destes aos seus pais e também o amor de irmãos entre si, entre amigos, entre vizinhos, entre colegas de trabalho e escola, concidadãos e tudo o mais.

Ao chegar em meu escritório na manhã desde domingo 16 de janeiro de 2011 com o propósito de redigir este artigo, vi quanta sujeira havia nos quatro cantos da esquina, estendendo-se até quase a metade de cada uma das quadras, sendo copos plásticos, latinhas, garrafas quebradas e outros badulaques , expressando a completa ausência de amor das pessoas que por ali estiveram “comemorando” durante a madrugada. Primeiro: demonstraram completa falta de amor para com os vizinhos locais, pois a algazarra entre os componentes de uma pequena multidão de darks ou emos em torno do bar da esquina foi grande.

Interessante é que os bêbados tradicionais do bar bebem em seu interior. Esses jovens são bebedores ocasionais. Ou seja, de fim de semana. Mas eles sempre produzem muito barulho e extrema sujeira.

Em segundo, com o estrago que fazem, demonstram ausência completa de amor para com os concidadãos, pois os obrigam a transitar numa cidade anarquizada e imunda, correndo o risco de feriram-se nos cacos de vidro que produze. E, como não há serviço de limpeza pública aos domingos, esses cacos de vidro ficarão jogados nas calçadas até a segunda-feira pela manhã.

Terceiro: falta de amor para com os trabalhadores pobres que limparão as ruas sob o sol escaldante, pois terão muito mais trabalho e mais tempo suportando o mormaço deste verão a varrer as ruas, sendo que os solários que recebem já é muito pouco para fazer o serviço normal, quanto mais insuficiente é para que efetuem o seu trabalho como escravos.

Está certo que esses trabalhadores recebem para executar seu trabalho, mas o caso se dá porque há falta de amor e educação dos que não se privam da ação selvagem de sujar as ruas e que, não tendo amor para cumprir sua obrigação social, civil e ecológica, também não se dão o trabalho de cumprir a lei.

Quarto: demonstram falta de amor para com a humanidade, pois ajudam a poluir a natureza.

Quinto: demonstram falta de amor para com seus pais, aos quais eles agridem com sua aparência e humor, pois é muito dolorido para os pais verem os filhos, pelos quais eles se esforçam tanto, postarem-se tão manifestamente insatisfeitos e ingratos. E esses pais nem sabem onde os filhos insatisfeitos estão e, tampouco, o que fazem nessas altas horas em que não estão em casa.

Sexto: demonstram falta de amor para consigo mesmos, pois agridem e destroem seus corpos com o uso da bebida alcoólica, drogas, piercings e tatuagens, além da falta de descanso, com o requerer do corpo que siga nessas condições até o dia seguinte, deixando de exercer as funções reparadoras ideais durante as corretas horas de sono da noite.

E, por fim, demonstram falta de amor para com os filhos que virão a ter, pois passarão a esses uma carga genética comprometida por essa agressividade, além do estilo de vida altamente inconveniente que lhes ensinarão.

Digo isso simplesmente por que, em regra, temos profanado a palavra amor toda vez que a pronunciamos, aplicando-a a egocentrismo e egoísmo. Ou seja, chamamos de amor nossa busca alucinada por prazer. Digo alucinada porque não reconhecemos limite para chegarmos ao prazer que desejamos. Ao contrário, manipulamos os conceitos gerais de amor e direito, manipulamos e torcemos os direitos alheios que rompemos, bem como nos esquivamos de nossa responsabilidade para com o bem-estar dos demais em prol do nosso prazer. Não em prol do nosso benefício, pois a maior parte do prazer que queremos para nós e pelo qual produzimos desprazer nos outros e em nós mesmos não nos produz benefício, mas apenas um prazer visceral, intenso e efêmero, como é o caso do trocar as horas de descanso por horas de bebedeira, dança e mútua agressão.

E o verdadeiro amor não depende de conceitos como o direito para ser motivado, pois a essência do caráter desse amor está em abrir mão de seus direitos sempre que necessário; abrir mão dos benefícios próprios e do prazer próprio em favor, não do direito do ser amado, mas do absoluto bem-estar desse, pois o absoluto bem-estar do ser amado é todo o alvo do verdadeiro amor.

Quem sou, porém, para definir o que é amor? Não sou ninguém e tampouco pretendo definir, haja vista que a definição de amor já existia antes que eu existisse e o conceito é muito mais antigo que nossas cidades mais antigas. E, por termos profanado e deturpado tento o conceito de amor, não vou explicar neste texto o que é o amor, porque isto muito pouco se tem visto, mas tratarei do que o amor não é e o que ele não produz, pois o tipo de amor que o amor não é tornou-se popular e tem sido proclamado largamente em todas as camadas e divisões da sociedade humana como sendo amor, especialmente nas telenovelas, nos filmes de romance e policiais, no carnaval e no esporte em geral.

O QUE O AMOR NÃO FAZ

Vamos ilustrar o que o amor não faz tratando do amor de pais, mas pode ser o amor de irmãos, de amigos, etc.. Trato desse amor porque em prática esse foi e deveria ser o mais conformado com o amor verdadeiro. Entretanto, muitos atos de amigos e de estranhos têm se mostrado mais em sintonia com o verdadeiro amor do que o de muitos pais. Sendo assim, questionamos o que o amor dos pais não deveria fazer.

Acima de tudo, o amor verdadeiro não causa sofrer e, de igual modo, o amor de pais não deveria permitir-lhes causar sofrer em seus filhos, encerrando na palavra sofrer tristeza, angústia, medo, expectação ruim, carência, descuido, solidão, desilusão, desesperança, etc.. Tudo isto é sofrer.

Dependendo da maneira como se conduz, a relação entre o pai e a mãe produz muito sofrer nos filhos. Entretanto, pais (pai e mãe) que amam não fazem o que possa produzir sofrer em seus filhos e sabem perfeitamente quais atitudes produzirão, aprendendo a respeito ao porem-se no lugar de filhos, que todos somos, e não fazendo então o que sabem que lhes teria causado sofrer se seus pais tivessem feito. Isto é simples: Se não gostaria de ter visto meu pai maltratando minha mãe, não maltrato então a mãe de meus filhos e relaciono como mau-trato a ausência, a falta de atenção, a falta de paciência, a falta de provimento, a falta de dar-lhe o devido valor, bem como o necessário prazer, a falta de satisfazer suas aspirações, a falta de liberdade, a falta de confiança e a falta de ver que ela é humana e tem sentimentos iguais aos meus. De igual modo, seria a atitude da mãe para com o pai em favor do bem-estar de seus filhos.

Sei que todas essas atitudes contra a mãe de meus filhos causariam sofrer, não somente nela, mas, principalmente, neles, pois não gostaria que meu pai ou qualquer outra pessoa tivesse feito isso para com a minha mãe.

Portanto, se maltrato minha esposa, faço aos meus filhos o mal que não gostaria que tivessem feito para mim.

O maltrato dos pais entre si produz sofrer nos filhos, pois os filhos não gostam que seus pais sejam maltratados por quem quer que seja. Se o pai despreza a mãe, os filhos sentem-se igualmente desprezados, pois seus pais são parte deles. Se a mãe, em represália, faz maldade contra o pai, os filhos sentem-se também maltratados. Se o casal separa porque não quererem se suportar e esperam encontrar um novo e melhor amor, os filhos sofrem a tristeza de ver seus amados desprezados, a sofrer depressão por longos anos e a se esforçar para não serem esmagados pela falta de amor do outro cônjuge. Isto, além dos prejuízos que esses filhos sofrerão com a ausência permanente de um dos pais, com a presença de um estranho num dos tronos de seus soberanos e pela rivalidade que esse estranho trará e pela qual irá maltratá-los, no mínimo, psicologicamente, o que é normal. Isto se esse estranho não trouxer consigo filhos igualmente estranhos para disputarem e ocuparem o lugar normal desses filhos.

E esses pais dirão aos filhos pequenos que insistem em não aceitar tal imposição que eles têm que compreender e cooperar, pois o pai (ou a mãe) precisam ser felizes, nem que isso custe a infelicidade geral dos filhos que eles dizem que amam. Ora, o verdadeiro amor é voluntário, abrindo mão de seu direito em bem da felicidade do ser amado. Como então os pais em litígio transgridem o direito de sues filhos em bem da própria felicidade e ainda dizem que os amam?

E o pior é uma hipocrisia que certa vez ouvi, onde alguém querendo justificar sua busca alucinada pelo próprio prazer disse que somente conseguiria fazer seus filhos felizes se fosse feliz. Isto, porém, não é verdade porque somos seres livres e não somos obrigados a nos deixar conduzir por nossos sentimentos e, tampouco, por impulsos, sendo que nossos sentimentos não nos fazem, nós é que os fazemos.

Portanto, a felicidade não é uma máquina de trem que me leva, mas eu decido para onde levarei essa máquina. Quero dizer que não é a máquina que está no controle, mas nós estamos no controle da máquina. Minha felicidade não depende de condições ou circunstâncias, mas da minha vontade. Por isto podem me privar de tudo, menos da minha felicidade, pois posso produzi-la em qualquer lugar e circunstância que estiver. Entretanto, quando somos crianças precisamos dos pais para nos prover as necessidades, o que implicará em nossa capacidade futura de prover e produzir felicidade.

Paradoxal é que sob a mais compressora depressão proveniente do desprezo a abandono seguimos cumprindo horários e executando tarefas profissionais sem que patrões e clientes percebam o sofrer que nos esmaga. Porque então os filhos, que são a aparte mais frágil das histórias de separação conjugal, não tendo ainda preparo emocional para suportar, são obrigados a absorver o impacto negativo de nossa insatisfação e ainda nos compreender e cooperar? Quem é o ditador nesse caso? Naturalmente que são os pais em litígio, pois pais que amam seus filhos sofrem calados e são motivados a sobreviver a tal sofrimento pelo amor a seus filhinhos, mas não produzem qualquer, nem que seja o menor, sofrer naqueles cuja felicidade ainda não é autônoma, mas depende desses pais.

Os filhos precisam compreender os pais e cooperar com eles no que é natural e à medida do possível, não em cooperação com o desejo obstinado e busca de prazer pessoal dos pais, pois isto é anômalo, é egoísmo.

Os psicólogos freudianos, em acordo com pais em litígio, dizem que antes pais separados do que pais brigando em frente dos filhos. Isto não é mentira, pois desde o início digo que pais que se maltratam causam o sofrer dos filhos. Entretanto, esses pais se separam jurando que amam seus filhos, mas se os amassem teriam se suportado (o que seria preço pequeno, pois viveriam em paz, o que é bom). Para tal, imporiam menos a parte não lapidada de suas personalidades sobre o outro cônjuge e seriam menos exigentes quanto a polidez na personalidade do outro, abrindo mão de mais algumas coisas em bem da convivência, fazendo isso por amor aos filhos. Teriam se esvaziado muito mais de si em favor do bem-estar dos filhos que dizem que amam.

Entretanto, porque o amor a esses filhos está suplantado pelo amor a si mesmos (o que eles pensam que é mesmo amor), os pais em litígio não fazem o menor esforço para conviver e superar e suportar as divergências, pegando-se cada um por si às costas um do outro como verdadeiros carrascos e somente largando para ruir a construção da sociedade familiar sob a qual estão seus filhos, mostrando assim sua obstinação em proclamar a própria soberania.

E assim resume-se o amor que tem sido exercitado pelo resto da humanidade, que tem feito ruir a construção social sobre si para provar para aos demais que pode mais na quebra de braço, esquecendo-se que o cumprimento do dever só pode fluir do verdadeiro amor e não da imposição e coerção. E a maioria das pessoas não quer cumprir seu dever, seja por amor ou por coerção, mas cresce vertiginosamente o número dos que querem obrigar os outros a cumprir.

Mas, para desmascarar a hipocrisia institucionalizada e chancelada por todos que fazem tantas coisas e dizem que é por amor, o verdadeiro amor é voluntário em abrir mão de seus direitos, indo muito além do cumprimento de seus deveres em favor de todo aquele a quem diz que mama; em favor do cônjuge que diz que ama; dos filhos que diz que ama; dos pais que diz que ama; dos irmãos que diz que ama; dos parentes que diz que ama; da família que diz que ama; do(a) namorado(a) que diz que ama; dos amigos que diz que ama; dos vizinhos que diz que ama; dos concidadãos que diz que ama; da sociedade que diz que ama; da civilização que diz que ama; da natureza e continuidade do planeta, sua casa, que diz que ama.

Sendo assim, quem ama de verdade não tira, mas põe; não pede, mas dá; não cobra, mas retribui; não explora, mas dá-se; não causa miséria; mas provê; não retém para si, mas distribui; não priva, mas liberta; não luta pelos primeiros lugares, mas cede a vez; não exige cordialidade, mas é cortes em abundância; não julga, mas justifica; não condena, mas perdoa; não abusa, mas protege; não fica devendo, mas empresta; não produz a fome, mas provê o sustento; não produz doença, mas a cura; não desacomoda; mas abriga; não causa tristeza, mas alegria; não traz desesperança, mas amplia os horizontes; não paga o mal com o mal, mas produz o bem; não deseja o mal, mas faz o bem; não discrimina, mas integra; não deturpa, mas restaura; não distorce, mas esclarece; não produz discórdia, mas concilia; não se vinga, mas perdoa; não se enciúma, mas confia; não se exalta; mas mantém a serenidade; não é ríspido, mas trata com mansidão; não desconfia, mas restabelece a confiança; não suspeita mal; mas dá oportunidade para o bem; não degenera, mas constrói; não corrompe, mas dá bom exemplo; não depreda, mas preserva; não polui, mas purifica. E assim por diante. E em tudo isso é voluntário, abrindo mais de seu direito sempre que é necessário para cumprir tal tarefa.

Entretanto, o declino das relações sociais, da política, da economia e da natureza como temos visto indica que jamais conhecemos esse amor e por isso sabemos que tudo que conhecemos corre para o declínio e extinção, o que o amor verdadeiro jamais produziria.

Wilson do Amaral

Autor de Os Meninos da Guerra, 2003, e Os Sonhos não Conhecem Obstáculos, 2004.