Vida & Morte

Às vezes penso que existem milhares de seres tão vulgares despedaçando-se em lágrimas desveladas por um amor que já morreu; paixões tão desprezíveis quanto o fulgor de um novo prazer; às vezes penso, penso que as pessoas escondem cicatrizes em toda máscara que vestem. E nada disso é por medo de ser descoberto ou que a vergonha desfaleça como a imagem desbotada de uma floresta coberta de neve. Toda bela imagem é lívida. A rosa desbota o seu escarlate segundo após segundo de sua existência; o espinho, mantém-se fiel após o trágico desfecho da rosa desprezada por não possuir mais aquela beleza que é sua única finalidade. Nisso vejo os olhares vulgares que não enxergam beleza na renúncia da vida. Imagino que a morte, em certos países, é tão vulgar quanto a vida em outros. Há certa mesura na despedida; um filho que chora nos braços do pai é a culminância de uma vida regrada, onde a despedida, a idéia de que aquele será o último abraço entre os dois, as últimas palavras sinceras – para muitos é o único momento sincero, humano que se tem -, onde a despedida proporciona um silencioso e belo encantamento pela vida, que se revela a própria vida e se oculta todo aspecto lúgubre que a morte afeta. Não há temor em deixar de existir, desde que seja consciencioso o suficiente a ponto de não desprezar toda e qualquer vicissitude, seja aquelas mais ostensivas ou as mais herméticas. Não importa. A verdadeira beleza da vida é encarar a morte como o clímax de uma ópera. Não é a morte tão vulgar quanto os olhos medíocres dos seus espectadores. A vida é tão desbotada quanto a morte.

A arte reside justamente nesse nicho entre as coisas existências e imateriais. Julgar a morte menos fascinante que a vida é não transcender ao universo das possibilidades artísticas.

Bruno Cabelo
Enviado por Bruno Cabelo em 26/10/2006
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