A CRÍTICA DE NIETZSCHE A MODERNIDADE

O fim da época medieval, período fundamentalmente orientado por uma cosmovisão metafisico-religiosa e o inicio da idade moderna, época orientada por uma perspectiva eminentemente racional, foi marcado por três grandes acontecimentos: a descoberta do novo Mundo, o Renascimento e a Reforma protestante. Neste sentido, Max Weber conceberá a Modernidade como o resultado de um processo de racionalização que ocorre tanto no plano cultural quanto no social. No primeiro, surgirá a nítida separação entre as esferas culturais de valor: artes, ciências e moral. O plano cultural impulsionará o processo de racionalização ao plano social que se manifestará o processo no Estado, na Economia (empresa capitalista) e no Direito Moderno. Essa disposição das estruturas sociais e culturais da modernidade originará uma questão a respeito de como será possível fundamentar tais estruturas sem recorrer a tradição metafisico-religiosa “(...) a modernidade não pode e não quer tomar dos modelos de outra época os seus critérios de orientação, ela tem de extrair de si mesma a sua normatividade”(HABERMAS,2002,p.12). O primeiro filósofo moderno a empreender uma busca pela solução desse problema foi Descartes. A partir do estabelecimento do cogito cartesiano, ele instaura as filosofias do sujeito onde à razão substitui o lugar deixado pela sabedoria antes verificada pela revelação. Dessa forma, o paradigma da época Moderna será então, o principio da subjetividade e somente a partir dele é que se estruturarão, o Estado, o Direito, a Economia; no plano social, a arte, a moral e a ciência no plano cultural. No entanto, o projeto moderno falhou em relação ao seu intuito inicial, pois de todas as esferas de valor, apenas a ciência se desenvolveu. Filósofos como Hegel, Marx, Conte e outros, embora seguindo rumos diferentes, legitimaram esta crença na modernidade e consequentemente, crença no projeto moderno. Na contramão de tudo isso, Nietzsche inicia um processo de demolição de toda a tradição filosófica que culminará nas “idéias modernas” incluindo o conhecimento cientifico.

Nietzsche identificará na tradição filosófica um grande processo de falsificação da realidade. Desse modo, sua critica não será direcionada aos valores exaltados pela tradição, mas a própria idéia de valor, sua crítica buscará a origem as raízes de onde brotaram as convicções filosóficas. Para tanto, Nietzsche utilizará como método para suas investigações a genealogia, ou seja, ele empreenderá uma busca em direção ao inicio da atividade valorativa. De inicio, essa crítica à tradição partirá de uma análise da linguagem, qual Nietzsche identificará como fonte de engano, de falsificação. A realidade é toda múltipla, nada há nela que seja idêntico, por isso o conceito que parte do pressuposto de que há identidade entre as coisas da realidade é “essencialmente” falso. O conceito que tem como objetivo ficar essa identidade é falso.

“O que é a verdade, portanto? UM batalhão móvel de Metáforas, metonímias, antropomorfismos, enfim, uma gama de relações humanas que foram enfatizadas poética e retoricamente,transpostas,enfeitadas,e que, após longo uso, aparecem a um povo sólidas, canônicas e obrigatórias: às verdades são ilusões, das quais se esqueceu que são, metáforas que se tornaram gastas e sem força sensível, moedas que perderam sua efigie e agora só entram em consideração como metal,não mais como moedas(NIETZSCHE,1983,p.48)

Dessa forma Nietzsche acerta o ângulo das convicções modernas, afinal o conhecimento científico pressupõe a existência da identidade. O questionamento nietzschiano vai além: Interroga a necessidade constante e perpétua pela verdade e o repúdio pela inverdade.

“Com todo o valor que possa caber ao verdadeiro, ao verídico, ao não egoísta: seria possível que tivesse de ser atribuído à aparência, à vontade de engano, ao egoísmo e ao apetite um valor mais alto e mais fundamental para toda vida”(NIETZSCHE,1983.p.269)

Encontra como resposta a essa interrogação a idéia de Vontade de Potência, aquilo que existe no fundo de todas as coisas, impulso, multiplicidade.

“Suposto, enfim, que desse certo explicar toda a nossa vida de impulsos como a conformação e reafirmação de uma forma fundamental da vontade-ou seja, da vontade de potencia, com é minha proposição-;suposto que se pudessem reconduzir toas as funções orgânicas a essa vontade de potencia e nela também se encontrasse a solução do problema da geração e nutrição- isto é um problema, com isso se teria adquirido o direito de determinar toda força eficiente univocamente como: Vontade de potencia. O mundo visto de dentro, o mundo determinado e designado por seu “caráter inteligível ”-seria justamente “Vontade de potencia”, e nada além disso.”(NIETZSCHE,1983p.275)

O imperativo que rege essa vontade é o de ser mais, podendo ser orientado tanto para a superação, para assim, o progresso, quanto para o não, a degeneração, a repressão o não. Pode assim ser tanto força ativa quanto forca reativa, possibilitando a existência de vidas ascendentes, mas também decadentes. Os valores são para Nietzsche, instrumentos dessa vontade de poder e podem assim servir tanto para a superação quanto para a decadência. É também a vontade de potencia que está por trás da busca pela verdade, sendo o conhecimento, então, uma atividade fundamentalmente interessada. O ápice da ilusão do conhecimento é a idéia de objetividade, pois a tudo subjaz a impetuosa vontade de poder.

A crítica Nietzschiana se propagará como dinamite e atingirá todas as sólidas estruturas modernas: Estado, Religião, Direito, Ciência, Artes, etc. ainda assim, Nietzsche permanece inserido no “Hall” dos filósofos modernos, visto que seu pensamento não constitui um novo sistema, mas é direcionado para o futuro, para o porvir. Diferentemente do critério que fundamenta a tradição moderna, o principio da subjetividade, ele buscará num período anterior a tradição filosófica, elementos que orientem sua filosofia vindoura. A amplitude e profundidade dessa crítica, no entanto, esteve durante muito tempo sujeita a interpretações errôneas, como ainda hoje acontece e sua compreensão, como profetizou o próprio Nietzsche, será tardia. “Eu próprio ainda não estou no tempo, alguns nascem póstumos” (NIETZSCHE, 1983, p.374). Tal compreensão e percepção ficarão a cargo dos filósofos futuros, espíritos livres das amarras das convicções filosóficas tradicionais.

“Os maiores acontecimentos e pensamentos-mas os maiores pensamentos são os maiores acontecimentos-são os que mais tardiamente são compreendidos: as gerações que lhes são contemporâneas não vivem tais acontecimentos-sua vida passa por eles. Aqui acontece algo como o reino das estrelas. A luz das estrelas mais distantes é a que mais tardiamente chega aos homens; e,antes que cheguem, o homem nega que ali-haja estrelas.

“De quantos séculos precisa um espirito para ser compreendido?”-esta é também uma medida, com ela se cria também uma hierarquia e etiqueta, como é preciso: para espirito e estrela. (NIETZSCHE, 1983p. 293)

Uma pequena e breve reflexão acerca do pensamento de Nietzsche acerca da modernidade e as convicções da época.

PEDRO ANDRÉ ALMEIDA
Enviado por PEDRO ANDRÉ ALMEIDA em 01/02/2011
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