Musicite

Atualmente, a música padece de uma certa patologia - vou chamá-la de "musicite". É uma espécie de inflamação aguda que se alastrou pelo corpo da música sob a forma de decadência de princípios em suas diversas subdivisões.

Você poderia dizer que exagero, e lhe responderia que é uma análise completamente subjetiva baseada no que penso ser uma arte pela arte. O princípio de que a arte deve ser um fim em si mesmo, não um meio para obter diversas coisas. E, no século das imagens em que vivemos, no qual todos os estímulos parecem desaguar na visão, tornando este o sentido mais exigido atualmente, a música parece que vem servindo à imagem, perdendo seu foco auditivo.

Com o advento do rádio, a música se popularizou e atingiu uma grossa camada de pessoas que muitas vezes não tinham condições monetárias de freqüentar concertos ou comprar vitrolas e discos. Até aí, a música era apreciada pelo que verdadeiramente era, da forma mais genuína: um aglomerado de harmonias que refletiam estados emotivos, espirituais ou intelectuais, ou todos eles juntos. Com a TV, mais do que nunca, a música é estética. Não apenas ouvimos um cantor, ou banda, mas também vemos suas roupas, modos de atuação no palco, em suma: seu estilo.

Parece-me, portanto, que a música vem servindo a imagem e não o contrário, como deve ser. Roupas, modos de ser ou agir, são sim reflexo da emoção e da personalidade, que são o motor da música. Porém, creio, em uma opinião pessoal, que a música é mais fiel, sincera e vibrante quando se despe de todas as convenções, roupas ou modos, e vem até nós como uma nova criança ao mundo: ilibada, sincera.

Pressinto que a música cada vez mais definha em seu aspecto meramente contemplativo e de gozo estético pela música em si e as roupas, cabelos e atitudes cotidianas de “estrelas da música” parecem importar mais que a inovação sonora ou a profundidade do pensamento musical. O leitor que me perdoe, mas não posso comparar Bieber’s e Madonna’s aos grandes gênios do passado (que Beethoven me desculpe por colocá-lo em um texto assim), ou mesmo a músicos de rock, jazz, blues ou músicas de raiz ao redor do mundo.

Não que eu queira que o mundo se adapte ao meu pensamento e passe a gostar do que gosto, não é esse o ponto. Mas a música de massa atual realmente me irrita, porque não vejo sinceridade, superação ou amor genuíno no que fazem. Tudo soa plastificado e artificial. Grammys e premiações, para mim, valem tanto quanto as pessoas que eles premiam.

A música, para ser eterna e fonte de admiração inesgotável, deve ser feita por alguém devotado, sincero e com um sentimento forte de superação e amor. Ela dá as grandes melodias aos mais esforçados. O talento pede para ser lapidado dia após dia, em uma batalha prazerosa movida pela afeição à música e pelo deleite.

Não optei por ser músico, porém na minha experiência musical pretérita passei a amar a música sincera, feita com o coração, e as pessoas que as fazem de igual modo. Minha lealdade está com essa música, porque é a mais genuína e pura: não se importa com roupas ou aparências. Está focada apenas na sua profundidade, contemplativa.

Erga-se, cara companheira! As eras pertencem às sinceras melodias! Como Mozart em seu leito de morte, serei feliz se algum dia morrer acompanhado pela música genuína. Se este for o caso, seguiria satisfeito com ela pelos séculos dos séculos. O último suspiro viria acompanhado das notas que reverberam plenas de sentimento e paixão, e contemplaria a eternidade.

Caio Almeida
Enviado por Caio Almeida em 26/02/2011
Reeditado em 26/02/2011
Código do texto: T2816695
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