A descrença nasce da observação atenta e rigorosa do mundo

A descrença nasce da observação atenta e rigorosa do mundo, e não da psique per se. Nós seres humanos levamos a vida cobertos por uma falsa capa de racionalidade, quando qualquer análise realista é capaz de provar que, quase 100% do tempo, quem manda mesmo são nossos instintos primitivos e primais.

Não acredito mais nas pessoas. Somos os mesmos animaizinhos competitivos que outrora eram capazes de se matar por comida, território e procriação. A solidariedade inexiste – ou talvez apenas no câncer, como acusamos apenas aos pobres mineiros – e quando existe é para mascarar necessidades jamais admitidas de expiação de culpas, narcisismo ou fanatismo. A compaixão, em seu sentido exato, o de “sentir COM o outro” foi substituída pela pena. O companheirismo atende a necessidades pessoais. A amizade tornou-se descartável como o amor e o sexo. Os filhos, objeto de disputa. A família, terreno mais que propício a comparações desabonadoras; e o amor, fogo fátuo em que queimamos nossas ilusões mais adolescentes.

Da vida em sociedade gostaria de nem mais falar; se no plano pessoal e privado o Homem (que já não merece as maiúsculas) falhou completamente em sua missão de preservar a si próprio e ao planeta em que teve a sorte de se desenvolver, imagine quando somamos dois mais dois. Nossas fronteiras inúteis e segregacionistas, nosso ódio pelo semelhante (ainda maior pelo dessemelhante) e nossa gelidez pétrea pelos problemas alheios estão mais que escancaradas no abandono dos carentes, na guerra dos corporativismos, em nossa inabilidade política.

Gostaria de nem chamar “descrença” a “des-crença”, porque a própria construção da palavra é errônea, permite supor que antes do ceticismo houve uma “crença”. Poderia ser “incrença”, ou “não-crença”, uma vez que acredito (paradoxo dos paradoxos) que se um dia tal fé pudera ter havido, jamais te-la-ia abandonado, ou ela a mim. Não sou Jó, que por mais que não entendesse o mundo, ou a maior punição dos justos pelo “Mais Justo dos Justos”, era incapaz de se voltar a Deus com mais que “por quê”. Cobro dele, na noite escura da fé, um pouco mais de alma.

Renato van Wilpe Bach
Enviado por Renato van Wilpe Bach em 15/11/2006
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