Não julgueis

Nas propagandas, músicas, novelas e vida concreta, lá está o julgamento. E me questiono sobre as bases em que a avaliação dos outros se sustenta. Na cadeia de raciocínios lógicos que identifiquei, apenas vi pressa no pensar e uma completa ojeriza ao pensamento complexo, de que padecem todos, independentemente do credo, classe social ou grupo étnico. Não conseguem deixar o maniqueísmo de lado, como algo que estivesse entranhado desde sempre.

Primeiro: como podemos adjetivar/categorizar alguém se não estamos na mente desta pessoa e não convivemos com ela durante o tempo todo em que está acordada? E mesmo que a companhia fosse contínua, não excluiria o fato de que são mentes em separado, e nem tudo que é pensado, é dito. Segundo: como podemos estabelecer caráter e particularidades a alguém, sendo que o que mais distingue a raça humana é a sua adaptabilidade e mutabilidade? Nenhum adjetivo é eterno e todos estão fadados à extinção.

"Você é...'': eis uma frase, que seja qual for sua complementação, me parece ingênua. Permanecemos toda a nossa vida na busca da pergunta 'Quem eu sou?', quanto mais descobrir a resposta dos outros a esta indagação. No começo achava que 'não julgueis' era apenas uma proposição ingênua e religiosa. Depois, percebi que ela é acertada, pois, talvez mesmo inconscientemente, sabe que o julgamento carece de bases lógicas.

Creio que é um mecanismo de defesa de um organismo face a um organismo externo: pura luta pela sobrevivência. Não só indivíduos, como grupos coletivos (clubes esportivos, partidos políticos, religiões, ad infinitum) praticam a categorização como forma de criar oposições de conduta. Quando tem significado negativo, visando inferiorizar, a categorização é um instrumento de poder, de luta com alguém que fere o modo de conduta ou coloca em risco a sobrevivência e estabilidade de um grupo e/ou indivíduo.

Com certeza, não sou nenhuma alma crística. Tenho consciência de que julgo e não raramente. Mas pelo menos sei que careço de qualquer base lógica. Não sei quem é o outro, o que ele pensa, quais seus motivos, histórico de vida, traumas. Essa na verdade é uma luta que só pode ser travada internamente, dia após dia. O egoísmo é milenar, porém não quer dizer que tenha legitimação lógica. O difícil é controlar isso, perceber o outro e olhar para dentro, vivendo e deixando viver.

Caio Almeida
Enviado por Caio Almeida em 26/04/2011
Reeditado em 26/04/2011
Código do texto: T2931965
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