Divagações outonais

O frio nos torna mais civilizados. Ou seria mais tristes? Não sei ao certo, mas tenho certeza de que comportamentos também são sazonais. Em dias gélidos, noto uma propensão de falar mais baixo, fazer menos movimentos (e mais lentos) e uma certa soturnidade geral. Seria uma tentativa de aquecimento do organismo? Pode ser. Talvez uma memória ancestral, de ficarmos muito próximos, porém calados, poupando energia.

Seria o frio o segredo das civilizações européia e oriental (notadamente a japonesa e chinesa)? Quanto maior a escassez, proporcionalmente maior deve ser a inventividade e as obras daí decorrentes. Se pensarmos bem, nossa cultura vem do hemisfério norte, das longínquas terras setentrionais: roupas, casas de alvenaria. Até as religiões do norte são mais austeras. Veja a diferença de um culto tribal africano ou indígena para as pomposas igrejas católicas e protestantes ou os templos budistas, onde impera uma fé intimista e discreta.

Não à toa, homens mais reservados e com pouca predisposição aos sentimentos, recebem a alcunha "Homens de gelo". Há essa noção já cravada em nossa biologia, da impiedade dos ventos gelados e do tolhimento que o frio causa. Ele é contração, enquanto que o calor é expansão, no modelo yin/yang da vida.

Como em dois excessos radicais, tentamos amenizar calor com frio e frio com calor. Equilibrando a balança, nos agasalhamos e ingerimos coisas quentes no frio, e nos despimos e ingerimos coisas geladas no calor: abrigo e alívio, encolhimento e expansão. Buda poderia ter discutido sobre o clima para explicar o caminho do meio aos seus discípulos abnegados.

O frio motivou meu texto e admito minha predileção por ventos mais austeros. Nesses tempos raros em um país dos trópicos, sinto uma europeização em todos. Parece haver mais pensamento, intimismo e educação. Ou pode ser apenas tristeza e tédio mesmo, como a dizerem: "Puxa, hoje é sexta e olha o tempo como está". E deve ser isso mesmo.

Incrível pensar que hoje temos cobertores de lã, roupas grossas, casas com aquecedor, chuveiros com água quente. E pensar que nossos ancestrais não muito remotos deviam tremer em suas camas primárias sob a luz bruxuleante das velas. Os moradores de rua e miseráveis são os os remanescentes dos nossos ancestrais. Nesta noite taciturna, ao som do vazio e iluminada por uma lua pétrea e ventos cortantes, alguns se encolhem no meio do chão como podem, agarrados em seus fiapos de cobertas e pedaços de papelão.

Caio Almeida
Enviado por Caio Almeida em 19/05/2011
Reeditado em 19/05/2011
Código do texto: T2980598
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