DECANTAÇÃO

DECANTAÇÃO

Interessante quando o gosto se torna amargo na boca, os olhos só enxergam o cinza diante do cenário colorido e as pessoas se tornam metálicas diante de imagens quase virtuais a nossa volta. Não se tem resposta imediata e o desprezo pelo o que, em tão tempo, se apreciava com tamanho esmero se estanca como se fosse uma enxurrada lodosa se deitando sobre nossa figura circulante. É a imagem do caos em busca da ordem que ainda não encontrou o ritmo nas suas contraversões. Internaliza-se o que se espera que dê certo e se exterioriza o que se não deu. Esse algo indefinido e muito profundo destrói aos poucos e vai corroendo o que havia de mais belo na nossa própria alma: a alegria de ser feliz. Ser feliz é um exercício árduo de longas datas sob horas a fio em deleite nas leituras mais profundas de homens sábios, mestres, palavras bíblicas, em Bhagavad-Gita, filósofos e, por fim, colocando em prática as experiências pessoais. Ser feliz é quebrar paradigmas de um ser mal educado com uma resposta equilibrada, quando se consegue aflorar o discernimento de uma pessoa conturbada, trazer à luz uma razão difusa, quebrar a barreira da discórdia e colocar o eixo cuja corrente conduz a nossa civilização para o senso comum que é o bem. Cada ato positivo, uma vitória para o meu ego em busca de oferecer as minhas experiências para tornar seres humanos melhores do que são. Isso é dádiva de educador que advém de um atavismo enraizado para se eternizar em gerações vindouras.

Não é uma linha tênue que me derruba, nem sequer a fragilidade de meus sentimentos, mas são passagens e mais passagens que vão se aglutinando como lodos espessos que formam o limbo enrijecido. Impede a fluidez, antes cristalina, diante de canais centrais que se extravasavam num sorriso espontâneo. A força dessa fluidez momentânea rega algum sorriso solitário ou contamina rostos desconhecidos ou faz eco nas almas mais distantes.

A neutralidade de sentimentos é o que me preocupa. O sentir e o não sentir é que rege o ritmo da impotência de não ter acesso ao que está ali entre os limbos aglomerados, o bloqueio estanque. Esse emaranhado impede a passagem livre. A pressão se exerce por consciência plena de que esse não é o percurso natural e, talvez, forçar para que esses limbos se soltem de uma hora para outra. Deixar-se seguir o fluxo pútrido ou deixemo-nos que explodam? E se essa camada contamina outros veios e se empenha em interromper o mecanismo mágico dos sentimentos da alma? Como filtrar toda essa sujeira? Como tirar toda essa nódoa grudenta que se apodera dos corpos contaminados? Só temos uma solução: aguardar o antigo método sábio da decantação. E a alma assim, terá o seu momento de espera. Decantar o limbo podre. E com o passar do tempo ir retirando, cautelosamente, tudo o que há de mais cristalino do que resta. Só assim degustaremos as delícias que, mesmo o gosto insípido como na água pura, poderemos refazer de vez a saúde de nossas próprias vidas.

Eliane Thompson

Eliane Thompson
Enviado por Eliane Thompson em 14/06/2011
Código do texto: T3034814
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