O QUE É BOM NÃO PRECISA DE ETIQUETA

Vai longe o tempo em que as coisas eram assim, quando as pessoas se interessavam pelas coisas boas, mesmo que não tivessem etiqueta ou ninguém tivesse gasto milhões em comerciais para consagrá-las. Vai longe o tempo em que as pessoas sabiam reconhecer e valorizavam as coisas boas. Dizem que a caneta Parker vendeu seu primeiro milhão de unidades somente com propaganda feita de boca em boca, comunicação local. Hoje, porém, os mesmos jovens que reclamam que as empresas locais não lhes dão oportunidade de emprego exigem produtos de marca, de preferência importados, embora que custem a seus pais o preço de três unidades do mesmo produto de marca menos conhecida e que poderia ser de qualidade infinitamente superior. Ignoram que os produtos das grandes marcas norte-americanas são produzidos em Taiwan, China, Java, etc., ao custo de salários de sessenta dólares em média e os trabalhadores que os produzem jamais podem adquiri-los, embora em seu contexto local essas marcas não sejam importadas. Assim, essa juventude que pensa de si que é “bacana”, pois “prefere o que é bom”, deve enviar currículos para as empresas norte-americanas na Ásia, acrescentando em PS que são consumidores inconsequentes de suas marcas nesta nação que tenta crescer. Talvez assim, por justa reciprocidade, pode ser que essas empresas dão-lhe uma oportunidade de emprego.

Com o propósito de promover debate sobre valor, contexto e arte, o Jornal Washington Post patrocinou Joshua Bell, um dos maiores violinistas do mundo, para que, vestindo jeans e sem o menor cortejo, tirasse da caixa seu Stradivarius de 1713, avaliado em três milhões de dólares, e tocasse por quarenta e cinco minutos em uma estação do metrô de Nova Iorque em plena hora do Rush. O resultado foi que ninguém percebeu de quem se tratava, que músicas tocava e quão tradicional era o violino que ele manejava com tanta maestria. Acontece que poucos dias antes o mesmo violinista tocara na Symphony Hal de Boston lotada, onde os melhores lugares custaram mil dólares.

No arquivo em data show que recebi diz que com a experiência percebeu-se que não basta ao produto ser de qualidade, ele precisa estar emoldurado em certo contexto e daí despertará a atenção das pessoas.

A meu ver, isto mostra que as pessoas estão sempre mais voltadas para o consumo de artigos desnecessários e esse desejo, essa necessidade de consumir, é neles incitada pela mídia e eco que as próprias pessoas fazem da mídia ao exibirem-se, pois incorporam essa cultura da futilidade, da competição, do ser melhor do que os outros, do “pôr os demais no chinelo”, etc., do ter para “se sentir”, para sentir que é. Tal cultura, porém, não serve aos propósitos individuais, não satisfaz ao ego da pessoa, pois quanto mais tempo as pessoas gastam trabalhando para satisfazer essa ansiedade, menos tempo dedicam a viver, aculturar-se, conviver e preencher-se de atributos humanitários, tornando-se cada dia mais vazias, mais insensíveis e mais desinteressadas das coisas do coração, do romantismo, do carinho, do aconchego, da singeleza, da sensibilidade, da misericórdia, da consideração, da justiça, da igualdade, do amor, etc.. Por isso as pessoas estão sempre mais individualistas e cruéis.

Por outro lado, essa cultura consumista visa somente a acumular mais e mais nos cofres dos donos das empresas de produção, venda e capitais o capital de circulação no mercado, estagnando-o e avassalando-o, tornando-o cada dia mais refém dessa misericórdia abusadora e escravagista dos dominadores e exploradores da sociedade.

Se, ao cruzar por alguma esquina, como a Esquina Democrática ou o Largo Glênio Perez, em Porto Alegre, onde assisti muita arte, ou a Praça Dante Alighieri, em Caxias do Sul, onde no início dos anos noventa assistíamos ao SACO, uma promoção dos universitários caxienses, ou no Cine Independência, em São Leopoldo, onde no início dos anos oitenta assisti ao Diga-Diga de Artes, promovido pelos universitários da Unisinos, ou na praça da cidade de Tubarão, onde, no Natal de 1997, esperei para assistir a Família Lima, etc. –, se ao passar por algum lugar como esses eu ouvir o som de Rap, Hip Hop, Funk e o rufar dessas ditas músicas revolucionárias de sarjeta, mesmo que estejam ali seus cantores mais famosos, promovidos pela mais prepotente rede de televisão, com seus âncoras mais famosos, não darei a menor atenção, pois essas para mim não são música e nem sei ao que compará-las para não ofender seus apreciadores, já que vivemos num tempo em que manifestar opinião em desacordo é “algofobia”. Entretanto, se ouvir a banda de um homem só, que vi na Esquina Democrática quando adolescente, o som de um tocador de folhas a acompanhar com um violão, se ouvir o som de um violão, gaita de fole, de boca, etc., ou ouvir um som como o som do violino de Jürgen Wentz, com certeza terei que parar, pois não preciso de etiqueta e, tampouco, de guia para identificar e saborear a qualidade, a beleza e a arte e jamais perderei um momento desses, especialmente se não tiver que pagar uma fortuna, embora não veja mal em pagar bem para ver qualquer um deles ou Renato Borghetti, Tangos e Tragédias, Clayton e Cledir, Nei Lisboa, Adriana Calcagnotto, Paulinho Mixaria e o bigodão do Guri de Uruguaiana cantando o Canto Alegretense em ritmo de Village People, The Beatles, Michael Jackson e outros.

O motivo pelo qual as pessoas não perceberam Joshua Bell na estação do metrô de Nova Iorque é por que os indivíduos, focados na busca insana do possuir, para compor o rol dos que têm o que é mostrado na televisão como importante e necessário, perderam a sensibilidade e o interesse pela arte e sofisticação, pois passaram a basear sua opinião e gosto na opinião dos outros, preocupados com a aprovação dos famosos, de seus ídolos, daqueles que eles admiram porque têm, pessoas que eles vêm, mas que sequer tomam conhecimento de que existem, de quem são e qual importância têm.

Mais inteligente seria se sua preocupação fosse no sentido de agradar as pessoas que vivem a seu redor, especialmente a família e os mais próximos na comunidade, pois aí sentiriam que sua vida não é vazia, pois perceberiam o feito que produzem nessas pessoas que eles podem ver e sentir. Entretanto, porque querem agradar a pessoas que nem sabem de sua existência, suas vidas é um espetáculo para o vento, para o nada, para o diabo rir. Por isso atualmente as pessoas são tão ansiosas, insatisfeitos e frustrados, sejam elas jovens ou adultas.

Wilson do Amaral