A IMPIEDOSA DITADURA DO EU

A pessoa para quem mais fazemos concessões é para nós mesmos. Facilmente sentimos pena de nós mesmos e cedemos a nossas próprias chantagens emocionais. Dizemos a um filho que não podemos comprar-lhe certo artigo que nos pede; podemos dizer para a família que não temos dinheiro para isso, para aquilo e para tantas coisas que nos pedem e que a vida em família requer; podemos dizer-lhes que nem mesmo tempo temos para a mínima coisa em família, mas logo que desejamos algo fazemos novo arranjo no orçamento e compromissos, encaixando mais um gasto para mais uma maratona às lojas, para mais um cosmético, para mais algumas horas no salão de beleza, para uma bebidinha e longas horas de bate-papo com os amigos, para um churrasco na empresa ou mais um acessório para o carro.

Se o amor da mãe para com o filho é muito menos exigente, o amor de nós mesmos para conosco é muito menos exigente do que o amor da mão para com seus filhos. Facilmente sedemos a nossa própria ditadura. Quando queremos algo, logo nossa mente arranja uma desculpa, uma justificativa, um mérito para nos conceder o que desejamos, relutando no mais das vezes contra nossa própria razão que nos denuncia o egoísmo e insensibilidade para com os amados e semelhantes.

Somos altamente condescendentes com nós mesmos. Usamos dois pesos e duas medidas no julgamento que fazemos de nós mesmos e dos demais. Para nós, aplicamos a lei da misericórdia; para os outros, a lei do olho por olho e dente por dente. A nós tudo perdoamos, exceto quando falhamos em prover nosso próprio benefício, daí nos recriminamos por um tempo, mas logo encontramos uma justificativa satisfatória. Contra os outros, porém, conseguimos ser críticos e extremamente exigentes e duros, percebendo com primazia os menores desvios de conduta do próximo, sendo firmes contra os desejos inadequados e erros até de nossos filhos. Quanto a nós, porém, tudo é tolerável e facilmente “viramos a mesa”, “chutamos o balde”, “deixamos correr”, “fazemos vista grossa”, “nos jogamos na corda”, “entregamos os pontos” na menor dificuldade, etc., para satisfazer um desejo ou impulso qualquer.

Se é que as mães são mais moles nas exigências para com seus filhos, nós somos mais moles que as mães nas exigências para conosco mesmos. Sendo assim, porque temos muito mimo e amor próprio, a luta contra nós mesmos é a mais árdua que enfrentamos e quem vence essa batalha é verdadeiramente vencedor.

Wilson do Amaral