VELHO DE CORAÇÃO

Por vezes, quando em visita a terra natal, sento-me a beira da cama e olho fotografias antigas; são sempre as mesmas, mas é boa a sensação; na maioria delas sou ainda criança. As fotografias cessam em certa altura de minha vida, há um trecho dela (da vida) do qual não há registros, guardo desse hiato apenas alguns fragmentos esparsos e imagens descontínuas que luto para organizar.

Me pergunto onde estive entre o agora e o momento em que cessam as fotografias da minha infância, vivo constantemente com aquela sensação de quem se deitou à tarde para um cochilo rápido e acordou às três da manhã, tendo perdido o filme que tanto queria ter assistido.

Da juvetude solitária, encontro vestígios desconexos em versos rabiscados em um caderno velho e entre as lembranças vagas e embaçadas que eventualmente passam por detrás dos meus olhos.

Quando canso de tentar organizar os fragmentos de minha vida, recosto a cabeça no travesseiro e fico ohando para o teto do quarto, recordo-me da manhã em que meu pai colocou aquele forro, é estranho e ao mesmo tempo reconfortante imaginar cada uma daquelas tiras de plástico sendo colocada ali cuidadosa e pacientemente por alguém que já deixou este mundo, isso permite perceber que deixamos pegadas neste mundo, hoje faz um pouco mais de sentido. É irônico mas a morte parece ter sido inventada para dar sentido a vida.

Artsu Taraz
Enviado por Artsu Taraz em 02/11/2011
Reeditado em 03/11/2011
Código do texto: T3311958
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