O QUE A VIDA FAZ É UMA ARTE

Havia um tempo em que eu achava que tudo era simples. Até que a vida entortou minha linha reta, apagou meu ponto de fuga, manchou a minha tela e ainda disse que era arte.

Chorei. Achei que nunca mais as coisas seriam, elegantemente, preto no branco e que tudo seria um colorido confuso, disforme, incapaz de ser admirado.

Até que o tempo passou e por instinto de sobrevivência - afinal, era questão de honra mostrar que eu podia fazer o que era bonito mesmo com matérias-primas tão feias - hoje chamaria isso de síndrome da teimosia.

Olhei. Cheirei. Degustei. Toquei. Ouvi. Considerei:

Se a linha continuasse reta eu sentiria em algum momento tanto tédio que automaticamente seria mecanizada e nada faria de forma consciente e voluntária.

Se ela não apagasse meu ponto de fuga eu iria sempre achar que tudo o que fizesse resultaria na convergência, profundidade, perfeição e direção que eu estabelecesse.

Se ela não manchasse minha tela eu não conheceria a diversidade de cores, a beleza de quando uma termina de se misturar com a outra numa confusão de cheiro e de textura.

Analisando tudo isso foi como se eu ouvisse o cantarolar das curvas surgindo nas retas, das cores se misturando, ansiosas, para verem no que se tornariam. Tudo isso se tornando comestível.

E, criando todos os gostos possíveis, virasse um bom prato dinâmico me fazendo perceber que as coisas podem mudar sem o meu controle.

Uma hora estando doce em seguida, azedo e depois, salgadinha e um ardidinho pra diferenciar e depois dá uma misturada, desavisadamente, pra ficar um agridoce sofisticado e tudo se misturando em todas as possibilidades de crescimento, sensação e aprendizagem que a existência pode proporcionar.

E não é que, para minha surpresa, eu achei que viver é uma arte?